TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
83 acórdão n.º 212/17 cúmulo derivado da prática de uma pluralidade de crimes? No nosso modesto entendimento, tal distinção não faz sentido, e restringe de forma grave as garantias de defesa e direito ao recurso do arguido. 5 – Se o critério é a gravidade da pena (isto é, o castigo infligido), parece ser indiferente se isso é o resultado de uma pena única ou do cúmulo de penas parcelares. 6 – Quando a pena superior a 8 anos de prisão é o resultado do cúmulo de penas parcelares de montante infe- rior, não é razoável que o arguido só tenha acesso ao Supremo Tribunal para discutir o cúmulo e já não as matérias decisórias referentes aos crimes e às penas parcelares, que são, afinal, e por regra, na substância da condenação, o mais relevante, condicionando os termos da pena única aplicada. 7 – Assim, entendemos que a interpretação feita pelo STJ do artigo 400.º, n.º 1, alínea f ) , do Código de Pro- cesso Penal, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando entendido no sentido de, no caso de concurso de infrações, não ser recorrível, para o Supremo Tribunal de Justiça, a parte da decisão da Relação que confirme decisão da 1.ª instância que aplique pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, sem prejuízo de ser recorrível qualquer outra parte dessa decisão, relativa a pena parcelar ou mesmo só à operação de formação da pena única que tenha excedido aqueles limites, por violação dos artigos 29.º n.º 1 e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 8 – E é reforço deste entendimento, que ora explanamos, o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, nos termos do qual o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Poder-se-á mesmo dizer que “perturbações essenciais do direito de defesa permitem, em última análise, uma frustração do próprio nullum crimen sine lege . Esta exigência da lei incriminadora concretiza-se no Processo Penal pela possibilidade de o agente demonstrar que não praticou o crime que lhe é imputado. Se o não puder fazer devidamente, o nullum crimen sine lege será um artefacto que permitirá atribuir responsabilidade onde em concreto possa não ter existido qualquer crime” (Fernanda Palma, “Linhas estruturais da reforma penal – Problemas de aplicação da lei processual penal no tempo”, O Direito, 2008, 1, pp. 20 e segs.). 9 – O processo penal só assegurará plenamente as garantias de defesa através de lei estrita que conforme a posi- ção processual do arguido e os seus direitos processuais, nomeadamente o direito ao recurso. As garantias de defesa só estarão plenamente asseguradas se, no momento relevante para o exercício do direito ao recurso, o destinatário da norma conhecer as condições do respetivo exercício com a segurança que o garanta contra a imprevisibilidade. Esta exigência impõe-se necessariamente quando o que está em causa é o acesso a um segundo grau de recurso, num ordenamento processual penal onde a irrecorribilidade das decisões constitui uma exceção (artigos 399.º e 400.º do CPP) e que dá ao recorrente a possibilidade de aceder diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, quando pena de prisão aplicada em Acórdãos finais proferidos pelo Tribunal do Júri ou pelo Tribunal Coletivo seja superior a cinco anos [artigo 432.º, n.º 1, alínea c) , do CPP]. 10 – Pelo que, reproduzimos nesta sede tudo quanto se alegou no nosso recurso. 11 – Face ao supra exposto, e por se entender que a interpretação do STJ é inconstitucional e por tal inconsti- tucionalidade ter sido arguida, tempestivamente, nomeadamente, no presente recurso, e em resposta ao parecer do MP do STJ, se requer que seja admitida a presente reclamação com as naturais consequências legais. 4. O recorrido Ministério Público apresentou resposta, pronunciando-se no sentido do indeferimento da reclamação, nos termos seguintes (cfr. fls. 10404-10405): «O representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe, vem dizer o seguinte: 1.º Pela douta Decisão Sumária n.º 174/17, negou-se provimento ao recurso interposto para o Tribunal Constitu- cional pelo arguido A., ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
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