TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

78 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL objetivos de combate à fraude e evasão fiscal, desconsiderando o valor declarado pelos outorgantes da escri- tura e presumindo que é outro – superior – o valor da transmissão onerosa do imóvel, não se pode perder de vista que a consagração de uma presunção absoluta na determinação dos rendimentos sujeitos a tributação torna a ’verdade’ tão só presumida numa ‘verdade’ definitiva, mesmo que esta não encontre correspondência com a veracidade do rendimento real. E, vedando a prova do contrário, prescinde em definitivo da considera- ção do rendimento real auferido pelo contribuinte, desvirtuando-se, assim, a ratio e o critério da tributação: a capacidade contributiva. Considerou o Acórdão n.º 452/03: «(…) certos métodos de tributação, pela sua mesma estrutura, podem, afinal, acabar por conduzir à imposição de situações ou realidades em que falece, de todo, a capacidade contributiva, ou (e com maior probabilidade) em que a medida do imposto exigido não tem efectiva correspondência com essa capacidade, indo além (e, porventura, bastante além) dela; é o que ainda Casalta Nabais [ O dever fundamental (...), pp. 497/498 e 501/502] considera, quando se refere a “soluções tradicionais do direito dos impostos” com suporte no “interesse fiscal”, em particu- lar as “presunções”, considerando esta técnica legislativa “movida por legítimas preocupações de simplificação de praticabilidade das leis fiscais”, mas que “tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto”». No caso vertente, a fixação da matéria coletável através do recurso a métodos presuntivos, sem possi- bilidade de ilisão, pelo contribuinte, da presunção estabelecida na lei, terá como consequência possível (e plausível) a tributação de ganhos (mais-valias) não efetivamente auferidos pelo contribuinte. Ora, tal resultado, a final, afronta o próprio desiderato da tributação das mais-valias, se, para mais, a tributação destes rendimentos corresponder ainda à observância do princípio da capacidade contributiva. Segundo Sérgio Vasques, é o próprio princípio da capacidade contributiva que «exige a oneração do rendi- mento global, qualquer que seja a sua origem, natureza ou destino e daqui resulta necessariamente a exclusão da velha teoria do rendimento-fonte ( Quellentheorie, source-income theory ), pela qual se integravam no rendi- mento tributável apenas os fluxos periódicos e regulares de riqueza percebidos pelo contribuinte, uma teoria que serviu de apoio aos impostos cedulares que no passado se abatiam exclusivamente sobre os rendimentos do trabalho, lucros do comércio e da indústria, rendas ou juros. Em vez disso, o princípio exige que se alar- gue o rendimento tributável a todo o acréscimo patrimonial verificado na esfera do contribuinte em dado período de tempo, tal como ensina a teoria do rendimento-acréscimo ( Reinvermögenszugangstheorie, accretion theory ), tributando-se também ganhos fortuitos, como as mais-valias, rendimentos do jogo ou doações» (Cfr. Manual de Direito Fiscal, cit., p. 297).  Ora, se o ganho fortuito não existir ou, existindo, ficar muito aquém do estimado, a tributação não será devida. Pelo menos, à luz do princípio da capacidade contributiva ínsito na Constituição portuguesa. Com efeito, as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis corres- pondem ao ganho obtido com essa transmissão em face do valor da aquisição anterior do mesmo bem. Ao determinar o rendimento tributável por referência a um ganho presuntivo, sem que ao contribuinte seja dada a possibilidade de demonstrar a inexistência da capacidade contributiva que se pretende tributar, incorre a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS – na interpretação desaplicada nos autos – em inconstitu- cionalidade, por ofensa do princípio da capacidade contributiva acima enunciado. 24. Pelo que fica exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível».

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