TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

722 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. A questão que nos ocupa não cura de saber se a incriminação do lenocínio, nos moldes em que se se encontra prevista, traduz a melhor opção ao nível da política criminal. Ela cinge-se antes em saber se a norma obedece, ou não, ainda a interesses constitucionalmente tutelados. Neste ponto a resposta não pode deixar de ser positiva, em face do que acima se deixou consignado. Trata-se ainda de proteger a liberdade, designadamente a liberdade sexual, prevenindo-se o perigo de redução da margem de autonomia decisória do agente que se prostitui através da mediação de terceiros que atuam profissionalmente ou com fins lucrativos. Conclui-se assim que a adoção de um tipo criminal como o previsto no artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal não está constitucionalmente proibida. Evidenciado o bem jurídico tutelado, bem como a sua digni- dade constitucional, afastada fica a violação pela norma em juízo do princípio da proporcionalidade impli- cado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. A norma em juízo provém, portanto, de uma legítima opção de política criminal, tomada pelo legisla- dor, de resto, na esteira de jurisprudência constitucional desde cedo afirmada. Decidir se o risco implicado para a autonomia do agente que se prostitui deve ser considerado como um perigo a prevenir pela via da incriminação da exploração profissional ou com fins lucrativos da pessoa que se prostitui, é, por conseguinte, uma opção que cabe dentro do poder de definição da política criminal que pertence ao legislador. 10. Nas alegações que apresentaram, os recorridos invocam ainda a violação do artigo 2.º da Constitui- ção em que incorreria uma interpretação restritiva do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal que, tendo em vista torná-lo conforme à Constituição, pressupusesse elementos do tipo não expressos no mesmo. Concreta- mente, pretendem os recorrentes que a interpretação do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, no sentido de este crime ter implícito o elemento típico da exploração de situação de abandono ou necessidade económica ou no sentido de exigir que o exercício da atividade revele aptidão para condicionar ou diminuir a esfera de autonomia da vontade da pessoa que se prostitui, implica uma correção de normas penais que sempre redundaria em inconstitucionalidade por substituir o poder legislativo pelo poder judicial, em violação do princípio da separação de poderes. Esta conclusão parte, no entanto, da visão dos recorridos quanto à não justificação ou ausência de dignidade penal na incriminação do lenocínio simples, que entendem existir apenas quando verificadas cir- cunstâncias que efetivamente condicionam a vontade do agente que se prostitui, à semelhança das previstas no n.º 2 do artigo 169.º do Código Penal. Demonstrada que ficou acima a justificação penal da incriminação, mesmo sem a expressa exigência dos referidos elementos típicos, irrelevante se torna, por conseguinte, analisar este argumento. Acresce que nem o tribunal a quo recusou a aplicação do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal num qualquer sentido condi- cionado a qualquer das interpretações em referência. Questão diversa que não integra, porém, o objeto do presente recurso será, tal como se ressalvou tam- bém no Acórdão n.º 144/04, ponto 8, «a que se relaciona com a possibilidade processual de contraprova do perigo que serve de fundamento à incriminação em casos como o presente ou ainda, naturalmente, com a prova associada à aplicação dos critérios de censura de culpa do agente e da atenuação ou eventual exclusão de culpabilidade, em face das circunstâncias concretas do caso». 11. Em face do exposto, inexistindo motivos para afastar a jurisprudência proferida pelo Tribunal Cons- titucional sobre a matéria, não se pode considerar que estejam violados pela norma em crise quaisquer nor- mas ou princípios constitucionais.

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