TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

721 acórdão n.º 421/17 Como foi também desde logo assinalado no Acórdão n.º 144/04, «8. As considerações antecedentes não implicam, obviamente, que haja um dever constitucional de incriminar as condutas previstas no artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal. Corresponde, porém, a citada incriminação a uma opção de política criminal (note-se que tal opção, quanto às suas fronteiras, é passível de discussão no plano de opções de política criminal – veja-se Anabela Rodrigues, Comentário Conimbricense, I, 1999, pp. 518 e seguintes), justificada, sobretudo, pela normal associação entre as condutas que são designadas como lenocínio e a exploração da necessidade económica e social, das pessoas que se dedicam à prostituição, fazendo desta um modo de subsis- tência. O facto de a disposição legal não exigir, expressamente, como elemento do tipo uma concreta relação de exploração não significa que a prevenção desta não seja a motivação fundamental da incriminação a partir do qual o aproveitamento económico da prostituição de quem fomente, favoreça ou facilite a mesma exprima, tipicamente, um modo social de exploração de uma situação de carência e desproteção social. Tal opção tem o sentido de evitar já o risco de tais situações de exploração, risco considerado elevado e não aceitável, e é justificada pela prevenção dessas situações, concluindose pelos estudos empíricos que tal risco é elevado e existe, efetivamente, no nosso país, na medida em que as situações de prostituição estão associadas a carências sociais elevadas (sobre a realidade sociológica da prostituição cfr., por exemplo, Almiro Simões Rodri- gues, “Prostituição: – Que conceito? – Que realidade?”, em Infância e Juventude, in Revista da Direção-geral dos Serviços Tutelares de Menores, n.º 2, 1984, pp. 7 e seguintes, e José Martins Barra da Costa e Lurdes Barata Alves, Prostituição 2001 ..., ob. cit. , supra ) não é tal opção inadequada ou desproporcional ao fim de proteger bens jurídicos pessoais relacionados com a autonomia e a liberdade. Ancora-se esta solução legal num ponto de vista que tem ainda amparo num princípio de ofensividade, à luz de um entendimento compatível com o Estado de direito democrático, nos termos do qual se verificaria uma opção de política criminal baseada numa certa perceção do dano ou do perigo de certo dano associada à violação de deveres para com outrem – deveres de não aproveitamento e exploração económica de pessoas em estado de carência social [cfr., com interesse para a questão da construção do conceito de dano nesta área e independentemente da posição sobre a pornografia aí defendida, matéria que não tem relevância no contexto do presente acórdão, Catherine Mackinnen, “Porno- graphy: On Morality in and Politics”, in Toward a Feminist Theory of State, 1989, que defende a incriminação da pornografia em face da sua ofensividade contra a imagem da mulher e a construção da respetiva identidade como pessoa. Também sobre tal lógica de construção do dano, cfr. Sandra E. Marshall, “Feminism, Pornography and the Civil Law”, in Recht und Moral (org. Heike Jung e outros), 1991, pp. 383 e seguintes, defendendo a autora que, na pornografia, o dano consistiria na negação da humanidade da mulher, sendo relevante para o tema do presente Acórdão a perspetiva de que “a perda da autonomia não é um assunto meramente subjetivo ... a autonomia é negada mesmo que não se reconheça. Aqui pode ser traçado um paralelo com a escravatura ... A própria condição da escravatura requer que o escravo não se veja a si próprio como alguém que possui ou a quem falta autonomia ... Isto pode ser formulado dizendo que uma tal pessoa não se pode ver a si própria completamente. Como item da propriedade não possui um em si mesma”]. O entendimento subjacente à lei penal radica, em suma, na proteção por meios penais contra a necessidade de utilizar a sexualidade como modo de subsistência, proteção diretamente fundada no princípio da dignidade da pessoa humana». Subjacente à jurisprudência do Tribunal, está, portanto, a ideia de que a exploração por terceiros da atividade de prostituição exprime uma interferência na esfera individual de quem se prostitui, que comporta riscos intoleráveis na sua autonomia e liberdade que importa prevenir e que, nessa medida, justificam a incriminação.

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