TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

719 acórdão n.º 421/17 recorrida – que não considerou a prática de atos sexuais de relevo –, plena identidade normativa (também assim, os Acórdãos n. os 141/10, 559/11, 605/11 e 203/12, que versaram igualmente a redação da norma penal incrimi- nadora alterada em 2007)». 7. A atual questão relativa à constitucionalidade da incriminação do lenocínio surgiu com a revisão do Código Penal operada pela Lei n.º 65/98, concretamente quando a redação do n.º 1 do artigo 170.º do mesmo Código, deixou de conter uma referência no tipo à exigência de “exploração duma situação de aban- dono ou necessidade” de quem se prostitui. Uma vez que o bem jurídico protegido nos crimes sexuais é a liberdade sexual, a eliminação daquela exigência típica comprometeria, no entender de boa parte da doutrina da especialidade, a identificação de um bem jurídico digno de tutela penal que justifique tal incriminação, à luz do paradigma de intervenção mínima do Direito Penal, no respeito pelo direito à liberdade (artigo 27.º, n. os 1 e 2, da Constituição). Nesta perspetiva, o artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, que sucedeu ao artigo 170.º, n.º 1, ao incriminar com- portamentos que não ofendem o bem jurídico da liberdade sexual, desrespeitaria a necessidade de restrição do direito à liberdade, enquanto direito necessariamente implicado na punição (artigos 18.º, n.º 2, e 27.º, n. os 1 e 2, da Constituição). Refletindo uma visão moldada pela teoria penal do bem jurídico e os limites decorrentes do princípio da intervenção mínima impostos à intervenção do legislador na definição das condutas criminosas, a tese da inconstitucionalidade funda-se na convicção de que a incriminação do lenocínio, dispensada do elemento típico consistente na exploração de uma situação de necessidade ou abandono, não é idónea a proteger a liberdade sexual, antes obedeceria a um propósito de tutelar uma “qualquer moralidade sexual que não cabe ao direito penal tutelar porque sem arrimo constitucional”, como é também salientado na decisão recorrida. Este entendimento assenta na ideia de que não é possível identificar, como fundamento da incriminação, a tutela de qualquer bem jurídico individual, não configurando um bem jurídico, antes mera “moralidade sexual” a invocação da necessidade de “tutela da dignidade humana à margem de qualquer afetação da liber- dade e integridade de concreta pessoa”. 8. Não tem sido esse, porém, o entendimento do Tribunal Constitucional. Na verdade, desde a primeira ocasião em que foi chamado a tomar posição sobre esta matéria, desig- nadamente no Acórdão n.º 144/04, o Tribunal, refutando o argumento de que a incriminação em presença representava a proteção de mero sentimento moral, expressou o seguinte entendimento sobre a dignidade constitucional do bem jurídico protegido pelo crime de lenocínio simples (cfr. ponto 6 do Acórdão):  «(…) [Q]uestão prévia a tal problemática e decisiva no presente caso, é a de saber se a norma do artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal apenas protege valores que nada tenham a ver com direitos e bens consagrados constitucio- nalmente, não suscetíveis de proteção pelo Direito, segundo a Constituição portuguesa. Ora, a resposta a esta última questão é negativa, na medida em que subjacente à norma do artigo 170.º, n.º 1, está inevitavelmente uma perspetiva fundamentada na História, na Cultura e nas análises sobre a Socie- dade segundo a qual as situações de prostituição relativamente às quais existe um aproveitamento económico por terceiros são situações cujo significado é o da exploração da pessoa prostituída (cfr. sobre a prostituição, nas suas várias dimensões, mas caracterizandoo como “fenómeno social total” e, depreende-se, um fenómeno de exclusão, José Martins Bravo da Costa, “O crime de lenocínio. Harmonizar o Direito, compatibilizar a Cons- tituição”, em Revista de Ciência Criminal, ano 12, n.º 3, 2002, pp. 211 e seguintes; do mesmo autor e Lurdes Barata Alves, Prostituição 2001 – O Masculino e o Feminino de Rua, 2001). Tal perspetiva não resulta de precon- ceitos morais mas do reconhecimento de que uma Ordem Jurídica orientada por valores de Justiça e assente na dignidade da pessoa humana não deve ser mobilizada para garantir, enquanto expressão de liberdade de ação,

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