TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
710 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, não é correto basear a invalidade da lei nacional numa transposição do juízo efetuado pelo Tribunal de Justiça sobre a globalidade do texto da diretiva que esta transpõe, sem proceder a uma análise específica e autónoma da norma nacional que esteja em causa e, no presente caso, sem atender à natureza dos dados de base. 12. No caso, o principal obstáculo que o juízo de inconstitucionalidade do despacho recorrido enfrenta é a correta delimitação da norma objeto de fiscalização de constitucionalidade. Na verdade, a norma que é dada a fiscalizar abrange exclusivamente o dever de os fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas conservarem, durante um período de tempo, os dados de base. É o julgamento dessa norma específica que nos deve ocupar. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, embora indiretamente, quanto ao regime de proteção constitucional dos dados de base. No Acórdão n.º 486/09 esclarece o Tribunal Constitucional, no seu ponto 2.2: «O sigilo das telecomunicações, garantido nos termos do artigo 34.º, n.º 1, da Constituição, abrange não só o conteúdo das comunicações mas também o tráfego como tal (vide Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. . p. 538 e segs.). ‘O que está em causa é assegurar o livre desenvolvimento da personalidade de cada um através da troca à dis- tância, de informações, notícias, pensamentos e opiniões, à margem da devassa da publicidade’ (Costa Andrade, em Bruscamente no verão passado... , Ano 137.º, n.º 3951, Julho-Agosto 2008, p. 339). A privacidade da comunicação, como corolário da reserva da intimidade da vida privada, abrange não apenas a proibição de interferência, em tempo real, de uma chamada telefónica, como também a impossibilidade do ulterior acesso de terceiros a elementos que revelem as condições factuais em que decorreu uma comunicação (…). Efetivamente, num Estado de direito democrático, assiste a qualquer cidadão o direito de telefonar quando e para quem quiser com a mesma privacidade que se confere ao conteúdo da sua conversa. O mesmo raciocínio não vale para os elementos ou dados de base, já que, conforme assinala Costa Andrade ‘a pertinência dos dados à categoria e ao regime das telecomunicações pressupõe, em qualquer caso, a sua vinculação a uma concreta e efetiva comunicação – ao menos tentada/falhada – entre pessoas’ ( ob. cit. , p. 341), Na verdade, por exemplo, a mera identificação do titular de um número de telefone fixo ou móvel, mesmo quando confidencial, surge com uma autonomia e com uma instrumentalidade relativamente às eventuais comu- nicações e, por isso mesmo, não pertence ao sigilo das telecomunicações, nem beneficia das garantias concedidas ao conteúdo das comunicações e aos elementos de tráfego gerados pelas comunicações propriamente ditas (Vide, neste sentido, Costa Andrade, em Comentário Conimbricense do Código Penal , Parte Especial, Tomo III, p. 797- 798, da ed. de 2001, da Coimbra Editora). A mesma falta de tutela constitucional no plano do sigilo das telecomunicações valerá para os dados de locali- zação celular que não pressuponham qualquer ato de comunicação, bastando para o efeito que o telemóvel esteja em posição de stand by, isto é, ligado e apto para receber chamadas (Vide, neste sentido Costa Andrade, em Brus- camente no verão passado... , Ano 137.º, n.º 3951, julho-agosto 2008, p. 341)» (sublinhado aditado). Também no Acórdão n.º 403/15, ponto 15, se refere que: «(…) há um largo consenso na doutrina e na jurisprudência, de resto não se conhece posição contrária, no sentido de se incluir os dados de tráfego no conceito de comunicações constitucionalmente relevante para a proi- bição de ingerência. Quer dizer: o âmbito de proteção do artigo 34.º, n.º 4, abrange não apenas o conteúdo das telecomunicações, mas também os dados de tráfego. (…) O Tribunal Constitucional também já teve oportunidade de se pronunciar expressamente sobre este aspeto, tendo também equiparado a proteção dos dados de tráfego à proteção constitucionalmente concedida aos dados de
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