TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
709 acórdão n.º 420/17 outras, as regras que devem ser observadas na retenção, as pessoas habilitadas a aceder os dados ou as condições de armazenamento e de acesso aos dados). Neste exercício, a lei nacional foi muito para lá das exigências da Diretiva. Desta forma, a maior parte das exigências que vieram a ser feitas pelo acórdão do TJUE estariam já anteriormente consideradas no direito interno. Por essa razão, tem sido entendido que a decisão do tribunal do Luxemburgo não afeta a validade da lei nacional. Como exemplo do que se disse, a lei portuguesa estipula condições de acesso aos dados, exigindo que a divul- gação seja precedida de ordem de um juiz (Artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 32/2008). Esta condição coincide com a exigência do Tribunal de Justiça, quando declara e tira consequências negativas do facto de a Diretiva não prever, no acesso aos dados, a exigência de autorização de uma autoridade independente. Por outro lado, o Tribunal valora negativamente a circunstância de a Diretiva não prever a obrigação de des- truir os dados após o período de retenção. A lei portuguesa estatui exatamente o oposto, impondo a destruição dos dados após o período de retenção (artigo 7.º, n.º 1, alínea e, da Lei n.º 32/2008). Em relação à conservação dos dados, o TJUE sublinhou também a falta de requisitos reguladores da mesma. Mais uma vez, a lei portuguesa prevê regras que traduzem importantes salvaguardas a este propósito (por exemplo, definindo quem são aqueles que estão autorizados a aceder os dados, as estritas condições de armazenamento e outros).» Sendo as soluções nacionais distintas da norma da União, um juízo sobre a sua constitucionalidade deve ter em conta essas diferenças. É de notar que o acórdão do Tribunal de Justiça Digital Rights Ireland (Proc. n.º C-293/12 e C-594/12), invocado pela decisão recorrida, incide a sua análise nomeadamente sobre o dever de conservação dos dados de tráfego e de localização, considerados no seu todo (cfr. n. os 17, 27, 32 e 56-57), não exatamente sobre os dados de base, como acontece no presente processo. O enfoque especial dado no acórdão Digital Rights Ireland (Proc. n.º C-293/12 e C-594/12) aos dados de tráfego já tinha sido notado pelo Tribunal Constitu- cional no Acórdão n.º 403/15, ponto 15: «(…) o Tribunal de Justiça da União (…), no já referido acórdão de 08/04/2014, Digital Rights Ireland Ltd., processos n.º C-293/12 e C-594/12, que anulou a Diretiva 2004/26/CE, referiu ilustrativamente que, no que toca aos dados de tráfego das comunicações, ‘a conservação dos dados imposta pela Diretiva 2006/24 constitu[i] uma ingerência particularmente grave nesses direitos», embora não seja «suscetível de afetar o referido conteúdo, tendo em conta que, como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esta diretiva não permite tomar conhecimento do conteúdo das comunicações eletrónicas, enquanto tal’ (parágrafo 39). O TJ sublinhou várias vezes a gravidade da ingerência resultante de uma conservação ilimitada de dados de tráfego, pelo facto de os mesmos permitirem ‘designadamente, saber qual é a pessoa com quem um assinante ou um utilizador registado comunicou, e através de que meio, assim como determinar o tempo da comunicação e o local a partir do qual esta foi efetuada. Além disso, permitem saber com que frequência o assinante ou o utilizador registado comunicam com certas pessoas, durante um determinado período’ (parágrafo 26). Mais afirmou: ‘estes dados, considerados no seu todo, são suscetíveis de permitir tirar con- clusões muito precisas sobre a vida privada das pessoas cujos dados foram conservados, como os hábitos da vida quotidiana, os lugares onde se encontram de forma permanente ou temporária, as deslocações diárias ou outras, as atividades exercidas, as relações sociais e os meios sociais frequentados’ (parágrafo 27). Assim, conclui, inter alia, que ‘apesar de a Diretiva 2006/24 não autorizar (…) a conservação do conteúdo da comunicação e das informações consultadas através de uma rede de comunicações eletrónicas, não está excluído que a conservação dos dados em causa possa ter incidência na utilização, pelos assinantes ou pelos utilizadores registados, dos meios de comunica- ção previstos por esta diretiva e, consequentemente, no exercício, por estes últimos, da sua liberdade de expressão, garantida pelo artigo 11.º da Carta’ (considerando 28)» (itálico aditado). A mesma conclusão pode ser retirada do recente acórdão do Tribunal de Justiça Tele2 Sverig e (Proc. n.º C203/15 e C698/15), de 21 de dezembro de 2016 (cfr. n. os 92, 99, 102-105, 110, 112, 114 e 125).
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