TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
707 acórdão n.º 420/17 encontra abrangida pelo âmbito de proteção deste direito fundamental (assim, o Acórdão de 08/04/2014, Digital Rights Ireland Ltd., processos n.º C-293/12 e C-594/12, que, anulou a Diretiva 2004/26/CE, por violação dos artigos 7.º e 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais).» Este último Acórdão do Tribunal de Justiça no caso Digital Rights Ireland (Proc. n.º C-293/12 e C-594/12) é especialmente relevante neste enquadramento, como se verá de seguida. c) Apreciação da questão de constitucionalidade 9. O despacho de 19 de outubro de 2016 que indeferiu o pedido do Ministério Público de autorização de transmissão dos dados de identificação de um utilizador a quem estava atribuído um determinado ende- reço de protocolo IP teve como fundamento a inconstitucionalidade do artigo 6.º da Lei n.º 32/2008, por referência ao artigo 4.º da mesma lei. Essa inconstitucionalidade é sustentada através da invocação do acórdão do Tribunal de Justiça Digital Rights Ireland (Proc. n.º C-293/12 e C-594/12) que declarou a invalidade da Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. Este ato normativo foi transposto para a ordem jurídica da República Portuguesa pela Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, diploma onde se insere a norma objeto do presente processo. No despacho considera-se que a maioria das considerações do Tribunal de Justiça seria aplicável a uma apreciação da Lei n.º 32/2008. Refere que apenas as relativas «às condições do posterior aproveitamento dos dados conservados e (…) ao grau de segurança relativa dos dados, (…) poderiam não ser incluídos na refe- rência à solução apresentada pela Lei n.º 32/2008» (p. 9 do despacho, fls. 43). Considera, por isso, que «a conservação de dados é determinada na Lei n.º 32/2008 com a mesma amplitude, generalidade, injustificação, ausência de controle prévio na inserção de dados e duração excessiva, de forma desproporcionada, que resultavam da Diretiva» (p. 9 do despacho, fls. 43). Daqui decorreria «a contrariedade (…) do regime legal instituído pela Lei n.º 32/2008, especificamente do seu artigo 6.º, com o disposto no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nos artigos 7.º e 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de forma paralela ao referido no acórdão do Tribunal de Justiça (…) de 8 de abril de 2014» (p. 10 do despacho, fls. 44). Também seria de aceitar esta lógica por referência aos artigos 18.º e 34.º da Constituição, especificamente o n.º 4 deste último preceito. Por esse motivo, «a imposição de preservação de todo o tipo de dados referente à vida privada dos utilizadores de serviços de telecomunicação, sem qualquer restrição, durante um ano, sem qualquer ligação a um procedimento penal, automática, sem qualquer controlo jurisdicional prévio, com o risco de acesso por qualquer pessoa no forne- cedor desses serviços (…), sem referência a um concreto perigo e uma classe grave de infrações, mostra-se ser desproporcionada em relação à reserva da vida privada» (pp. 10-11 do despacho, fls. 44-45). Recusa, assim, a aplicação «do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 32/2008 (por referência ao artigo 4.º da mesma Lei) por contrariedade aos artigos 18.º e 34.º, n.º 4, da Constituição» [cfr. a alínea a) da decisão do despacho, fls. 45] 10. Começa por se referir que a declaração de invalidade de uma diretiva não tem uma consequência automática sobre a validade de um ato legislativo português que a transponha. O ato legislativo nacional, embora tendo como objetivo o cumprimento do dever de transposição de uma diretiva, decorrente do Direito da União Europeia (artigo 4.º, n.º 3, do Tratado da União Europeia, artigo 288.º, 3.º parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e artigo 112.º, n.º 8, da Constituição), tem uma fonte autónoma de validade e legitimidade. OTribunal de Justiça não tem jurisdição para apreciar a validade dos atos de direito nacional dos Estados- -Membros, sendo que a sua análise apenas incidiu sobre o texto da diretiva. A validade da Lei n.º 32/2008,
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