TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
698 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Conselho, de 15 de março de 2006 – relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, ato normativo que foi transposto para a ordem jurídica da República Portuguesa pela Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, diploma onde se insere a norma objeto do presente processo –, a declaração de invalidade de uma diretiva não tem uma consequência automática sobre a validade de um ato legislativo português que a transponha. IV – O ato legislativo nacional, embora tendo como objetivo o cumprimento do dever de transposição de uma diretiva, decorrente do Direito da União Europeia, tem uma fonte autónoma de validade e legitimidade; o Tribunal de Justiça não tem jurisdição para apreciar a validade dos atos de direito nacional dos Estados-Membros, sendo que a sua análise apenas incidiu sobre o texto da diretiva, não podendo a validade da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, ser posta em causa apenas devido ao facto de este ato normativo da União ter sido declarado inválido; tal não impede que se proceda à fiscalização da validade dessa Lei à luz dos parâmetros aplicáveis, nomeadamente de Direito Internacional, previs- tos na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de Direito da União Europeia, consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou de direito nacional, decorrentes da Constituição; embora seja de ter em conta, nesse processo, a fundamentação do Tribunal de Justiça, este juízo deverá ser, no entanto, autónomo relativamente ao efetuado por esta instância jurisdicional. V – A Lei n.º 32/2008, ao transpor a Diretiva n.º 2006/24/CE, densificou-a, consagrando soluções jurí- dicas que merecem uma análise específica; sendo as soluções nacionais distintas da norma da União, um juízo sobre a sua constitucionalidade deve ter em conta essas diferenças, não sendo correto basear a invalidade da lei nacional numa transposição do juízo efetuado pelo Tribunal de Justiça sobre a glo- balidade do texto da diretiva que esta transpõe, sem proceder a uma análise específica e autónoma da norma nacional que esteja em causa e, no presente caso, sem atender à natureza dos dados de base; no caso, a norma que é dada a fiscalizar abrange exclusivamente o dever de os fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas conservarem, durante um período de tempo, os dados de base. VI – Decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria que a proteção conferida pelo n.º 4 do artigo 34.º da Constituição não abrange os dados de base, como os abrangidos pela nor- ma objeto do presente processo; os dados relativos à mera identificação de um utilizador a quem estava atribuído um determinado endereço de protocolo IP não estão abrangidos pelo âmbito de proteção do sigilo das comunicações consagrado naquele preceito constitucional pois não pressupõe um ato de comunicação específico. VII – Os dados de base em causa estão sujeitos à proteção concedida pelo direito à reserva da vida privada, consagrado no artigo 26.º da Constituição, podendo o dever de conservação destes dados para a sua eventual disponibilização às autoridades, nos termos da lei, ser vista como uma restrição àquele direito fundamental, colocando-se a questão na sua conformidade com o princípio da proporcionalidade, o qual ocupa lugar central na avaliação dos requisitos materiais exigidos nas restrições de direitos funda- mentais que, de acordo com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos». VIII– O interesse público prosseguido pela norma sindicada é a «investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes», sendo os crimes graves os definidos no artigo 2.º,
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