TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
691 acórdão n.º 418/17 Precisamente porque os tributos ambientais tomam prototipicamente a forma de contribuições, a meio cami- nho entre as taxas e os impostos, é preocupante a sugestão que o legislador faz no artigo 6.º, n.º 2, convidando as autarquias locais à criação de taxas ambientais que se expõem facilmente à invalidação por inconstitucionalidade orgânica. Problema semelhante, se não mais grave ainda, suscitam as referências deste artigo às taxas devidas em con- trapartida dos serviços […] da proteção civil […], pois que estas são áreas de atividade das autarquias relativamente às quais é muitas vezes impossível detetar prestações concretas das quais os particulares sejam efetivos causadores ou benefi- ciários, essas ‘utilidades divisíveis’ a que o legislador se refere no artigo 5.º, n.º 2 […]. Naturalmente que não podemos admitir tão pouco que a coberto do RTL as autarquias locais portuguesas venham a cobrar as contribuições ou impostos que a Constituição da República lhes veda, instituindo taxas […] para financiamento dos serviços de pro- teção civil que se aproximam de genuínas capitações, reproduzindo os antigos impostos municipais para o serviço de incêndios. O perigo que há na sugestão feita pelos artigos 5.º e 6.º do RTL está no encorajar dos municípios à produção de tributos com uma bilateralidade difusa ou sem bilateralidade alguma, em particular dos municípios com menores recursos técnicos, alimentando desse modo a litigância dos contribuintes com a administração local. […] Este experimentalismo fiscal deixa ver os perigos que há na sugestão feita pelo legislador e a necessidade de fazer destas disposições dos artigos 5.º e 6.º do RTL uma interpretação não apenas inteligente, mas conforme à Constituição da República. A proteção do ambiente, a proteção civil ou a promoção do desenvolvimento local podem servir de base de incidência às taxas locais, mas apenas quando essas atividades de materializem em prestações públicas concretas, de que os respetivos sujeitos passivos sejam os efetivos causadores ou beneficiários e nunca quando elas tomem a forma de prestações públicas difusas, de que os sujeitos passivos apenas se podem dizer, quando se podem sequer dizer, os presumíveis causadores ou beneficiários. Dito de outro modo, […] se a criação de uma taxa local devida por todos os residentes destinada a custear os serviços de proteção civil encerra uma violação da lei parlamentar, por representar um genuíno imposto, podemos admitir que se exijam taxas locais por concretas intervenções que esses serviços realizem. […]” (itálicos acrescentados). Estas dúvidas foram ampliadas e aprofundadas, concretamente quanto às taxas municipais por serviços de proteção civil, por Conceição Gamito e Teresa Teixeira Mota (“O Setor das Utilities e a Taxa de Proteção Civil”, in Taxas e Contribuições sectoriais , Coimbra, 2013, pp. 41 e seguintes.): “[…] No que à incidência objetiva da TMPC diz respeito, assinalam-se duas notas que, desde logo, permitem identi- ficar na TMPC elementos que põem em crise a sua qualificação como taxa e que possibilitam aos particulares que vêm a assumir-se como sujeitos passivos da mesma questionar a legalidade da TPMC e, mesmo, a sua conformi- dade com a Constituição. Assim, começa por verificar-se que, no que tange à delimitação dos serviços putativamente prestados pelos municípios e que justificariam a cobrança da TMPC, todos os regulamentos municipais seguem o elenco do regulamento-tipo, prevendo que a TMPC constitui a contrapartida do município: (i) pela prestação de serviço de bombeiros e de proteção civil; (ii) pelo funcionamento da comissão municipal de proteção civil; (iii) pelo cumpri- mento e execução do plano de emergência municipal; (iv) pela prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro das populações; e (v) pela promoção de ações de proteção civil e de sensibilização para pre- venção de riscos. [cfr. artigo 2.º do RTMPC, supra transcrito] Deste elenco ressalta uma primeira perplexidade, consubstanciada na circunstância de ser impossível divisar serviços concretamente prestados pelos municípios aos particulares e de que estes sejam efetivos causadores ou beneficiários. Por outra banda, ainda que pudesse, num exercício puramente teórico e sem qualquer aproximação à realidade, con- siderar-se algum dos serviços que integram o elenco da norma atinente à incidência objetiva como sendo prestado pelos municípios e efetivamente aproveitados ou causados pelos particulares, sempre se diria que se trata de serviços que, por natureza, são incumbências do Estado enquanto garante da segurança dos cidadãos.
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