TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
663 acórdão n.º 416/17 da admissibilidade de restrições a direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição: consta do n.º 4 do artigo 26.º habilitação expressa à determinação, por via legal, de restrições ao direito fun- damental à capacidade civil («4. A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar- -se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos.»). Não é, por isso, discutível se a Constituição admite a adoção de medidas legais restritivas do direito fundamental à capacidade civil. 10. Nesta sequência, importa sim aferir, à luz da segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, em que termos a invocada restrição ao direito fundamental à capacidade civil (i) tem como finalidade a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; (ii) e se, na prossecução deste intento, res- peita o princípio da proporcionalidade. 11. Ora, no que releva para o primeiro requisito, será de considerar que as medidas legais em escrutínio prosseguem, de facto, outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. É que, ao permitir o proferimento de declaração de contumácia e a produção dos efeitos acima iden- tificados, o legislador, perante a ausência do condenado (e já não de um sujeito com estatuto processual de arguido), tem em vista garantir a efetividade da responsabilidade penal reconhecida por decisão judicial transitada em julgado, “pressionando-o” ao cumprimento da sanção penal – algo que se encontra, por força dessa ausência, comprometido. Está, pois, desde logo, em causa a preservação do princípio constitucional do Estado de direito, no plano da sujeição da comunidade humana ao ordenamento jurídico, garantindo a sua coercibilidade, cuja relevância é, aliás, notoriamente superior quando se está perante a proteção normativa de bens jurídicos criminalmente protegidos. E, enquanto projeções normativas deste princípio, a necessidade constitucional de garantir a efetiva prossecução dos fins das sanções penais decorre ainda, com superior concretude, de outras disposições cons- titucionais. Desde logo, do n.º 2 do artigo 27.º da CRP, que ao estipular que ninguém pode ser total ou par- cialmente privado da liberdade, exceciona esta proibição nos casos em que tal seja consequência de sentença judicial condenatória. Reconhece-se, pois, por expressa disposição constitucional, a relevância da efetividade das sanções penais impostas por decisões judiciais transitadas em julgado. No mesmo sentido, a previsão constitucional de que cabe aos tribunais, na administração da justiça, «repri- mir a violação da legalidade democrática» (n.º 2 do artigo 202.º da CRP), projeta-se, predominantemente, na “justiça criminal”, incluindo, necessariamente, a missão de efetivar a responsabilidade penal assacada por deci- são judicial, garantindo o cumprimento das penas (cfr. José Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, p. 509). E, neste contexto, é tudo menos irrelevante a previsão constitucional de que «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras auto- ridades» (n.º 2 do artigo 205.º da CRP), reconhecendo-se ainda a relevância constitucional da execução das decisões judiciais, por se determinar que deve o legislador definir «os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua ine- xecução» (n.º 3 do artigo 205.º da CRP). Conclui-se, pelo exposto, e sem necessidade de superior indagação, que a exequibilidade do ius puniendi, em especial a garantia da efetividade de decisões judiciais condenatórias transitadas em julgado, corres- ponde a um interesse constitucionalmente relevante, o que decorre, não apenas do princípio fundamental do Estado de direito, mas igualmente de várias disposições constitucionais que são, neste âmbito, seu corolário. 12. Assim sendo, resta averiguar se as restrições legais aqui em escrutínio passam pelo crivo do princípio da proporcionalidade enquanto requisito material das restrições a direitos fundamentais (segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da CRP).
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