TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
661 acórdão n.º 416/17 Admite, porém, expressamente, o n.º 4 do mesmo normativo a possibilidade de o direito à capacidade civil sofrer restrições, nos casos e termos previstos na lei. Articulando tal disposição com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, resulta que as restrições devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Nestes termos, para que a restrição do direito à capacidade civil seja constitucionalmente legítima, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos materiais: a) que a restrição vise salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido; b) que a restrição seja exigida por essa salvaguarda e que seja apta para o efeito, limitando-se à medida necessária para atingir esse objetivo; c) que a restrição não atinja o conteúdo essencial do direito em causa (Gomes Canotilho, J. J.; Vital Moreira – Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I. 3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 388). No caso, o núcleo problemático da questão de constitucionalidade da norma reconduz-se à discussão sobre se a compressão do direito à capacidade civil, inerente à declaração de contumácia – como meio de assegurar o cumpri- mento da prisão subsidiária, em que a pena de multa, injustificadamente não cumprida, foi convertida – respeita, desde logo, o princípio da proporcionalidade. 9. Para delimitarmos o âmbito da discussão, cumpre, em primeiro lugar, acentuar que a declaração de con- tumácia visa garantir a efetividade prática do efeito sancionatório da pena aplicada, por decisão transitada em julgado, ou seja, a efetiva realização das finalidades das penas, que se prendem com a proteção de bens jurídicos jusfundamentais, criminalmente tutelados. Na verdade, extrai-se do princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º, da Constituição – que expressamente se reporta ao “respeito e (…) garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais” – bem como do artigo 9.º, alínea b) , do mesmo diploma – que comete a aludida garantia dos direitos e liberdades fun- damentais ao Estado, como uma das suas tarefas fundamentais – que caberá ao legislador ordinário a garantia de efetivação de bens jusfundamentais, que se concretiza, relativamente a condutas especialmente ofensivas da esfera de proteção desses bens, na sua criminalização, que surge associada à criação de mecanismos adjetivos dotados de uma especial eficácia, nomeadamente no aspeto da prevenção e dissuasão, de forma a revestirem de exequibilidade prática o ius puniendi do Estado. Assim, ao legislador caberá, não apenas a criminalização de certas condutas, como, igualmente, assegurar os meios para tornar essa criminalização eficaz, garantindo formas de cumprimento efetivo das decisões condenatórias dos tribunais. É neste contexto que deve ser enquadrada a declaração de contumácia, prevista no artigo 97.º, n.º 2, do CEPMPL. A circunstância de a pena de prisão, a cujo cumprimento a declaração de contumácia se dirige, ser resultante da conversão de uma pena de multa injustificadamente não cumprida não altera os dados do problema, na perspetiva constitucional, atenta a natureza da multa como verdadeira pena. No presente processo, não se discute a constitucionalidade da convertibilidade da multa em pena de prisão, mas da norma que prevê a utilização do mecanismo da declaração de contumácia, evitando-se que o condenado se exima ao cumprimento da pena de prisão subsidiária. Tal mecanismo legal é necessário para garantir a efetiva execução da pena, vencendo a resistência do conde- nado, correspondendo, assim, a um meio idóneo de concretização de tal finalidade. Por outro lado, não se traduz num instrumento excessivamente compressor do direito à capacidade civil, tanto mais que se destina a garantir o efetivo cumprimento de uma medida penal privativa da liberdade: uma pena de prisão, correspondendo, desta forma, a um minus relativamente ao efeito aflitivo de tal pena, na esfera jurídica pessoal do condenado. Note-se, aliás, que a declaração de contumácia não se encontra legalmente reservada aos casos que envolvem o cumprimento de uma pena, sendo igualmente aplicável nas situações em que, independentemente da gravidade do crime indiciado, não se mostra possível a notificação do arguido do despacho que designa o dia para a audiência de julgamento, ou não se mostra possível executar a detenção ou prisão preventiva, isto é, em pleno domínio do princípio da presunção de inocência (artigo 335.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
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