TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

66 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 17. Em atenção ao juízo de inconstitucionalidade que determinou o sentido da decisão judicial ora recorrida, cumpre começar por identificar os princípios e normas constitucionais que se mostraram determi- nantes na formulação daquele juízo, assim clarificando o(s) parâmetro(s) constitucional(is) relevante(s) para a apreciação do problema de constitucionalidade colocado a este Tribunal. 17.1. Quanto à invocação do princípio da reserva de lei fiscal, importa saber se o mesmo deve ser apre- ciado à luz do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), ou do artigo 103.º, n.º 2, ambos da CRP. A CRP consagra, em matéria fiscal, o princípio da legalidade, o qual integra, por um lado, a reserva de lei formal e, por outro, a reserva de lei material. A reserva de lei formal exige que a normação das matérias fiscais abrangidas pela mesma (como é o caso da incidência dos impostos) deve constar de lei da Assembleia da República (de acordo com o princípio da reserva legislativa parlamentar em matéria fiscal) ou de decreto-lei do Governo, se emitido na sequência e de acordo com a autorização legislativa concedida pela Assembleia da República [cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, CRP]. Já a reserva de lei fiscal em sentido material corresponde ao princípio da tipicidade, o qual exige que a lei defina, relativamente a cada imposto, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (cfr. o artigo 103.º, n.º 2, CRP). Ora, a questão dos presentes autos apenas parece derivar da invocação da violação do princípio da reserva de lei fiscal em sentido material (artigo 103.º, n.º 2, CRP). Com efeito, mesmo não sendo desenvol- vida, na sentença ora recorrida, uma argumentação especificamente centrada no invocado confronto com o princípio da legalidade tributária, certo é que, não sendo questionada a intervenção da Assembleia da República na produção da norma legal em causa, seja diretamente, seja através de uma autorização legislativa, nem questionada a intervenção do Governo no âmbito daquela autorização, do que se trata é de um juízo de inconstitucionalidade material, dirigido ao conteúdo da lei (numa determinada interpretação normativa), que o juiz conclui afastar-se das exigências da «garantia substancial» da reserva de lei. Ora, esta vertente (substancial ou conteudística) do princípio da legalidade em matéria fiscal é usual- mente concretizada pelo princípio (ou subprincípio) da tipicidade (vide José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 142) – associado este à exigência de determinação ou determina- bilidade da norma tributária. Sobre o mesmo escreveu Ana Paula Dourado: «a tipicidade, enquanto princípio-garantia, caracteriza- -se pela previsão legal dos elementos essenciais do imposto de modo suficientemente determinado, cabendo sempre ao Parlamento a orientação política sobre os mesmos. A determinação é o elemento quantitativo da tipicidade» (cfr. O Princípio da Legalidade Fiscal – Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação , Almedina, Coimbra, 2007, p. 328). Como se entendeu no Acórdão n.º 695/14:  «O princípio de legalidade fiscal, que se extrai do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição, traduz a regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, nela abrangendo não somente os elementos intrusivos ou agressivos do imposto (criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favorá- veis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , I vol., 4.ª edição, Coimbra, pp. 1090-1091). Como também tem sido afirmado, a reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, mesmo nos aspetos favoráveis aos contribuintes, justifica-se em nome dos princípios da igualdade, da justiça e da transparência fiscal. Pretende-se que o imposto, quanto aos seus principais elementos, seja desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar, nem para a discri- cionariedade administrativa ( ibidem ). Uma tal determinação constitucional funciona assim como uma garantia dos contribuintes, no ponto em que procura criar um quadro legal rigoroso, colocando os sujeitos passivos do imposto a coberto de uma interpretação administrativa variável e porventura menos publicitada.

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