TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
650 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL se tenha oposto ao parecer/requerimento do administrador judicial provisório no sentido da declaração da sua insolvência (ou não tenha manifestado a sua concordância). Na sua formulação a norma configura, assim, um processo de insolvência requerido e decidido à mar- gem da intervenção do devedor nesse mesmo processo e perante o Juiz. Contudo, a declaração de insolvência do devedor – cuja participação no processo judicial assim configurado é omissa – não deixa de apresentar fortíssima projeção no estatuto do insolvente, associando-se-lhe um feixe de obrigações e constrangimentos que assumem inegável relevo na esfera jurídica daquele a quem a declaração de insolvência visou. Com efeito, ao fazer equivaler o requerimento de insolvência do devedor à sua apresentação à insolvên- cia (nos casos, como ocorre nos autos, em que o devedor não concordou com o parecer e requerimento do AJP quanto à sua insolvência) e ao fazer avançar o processo de insolvência para uma declaração a proferir no curtíssimo prazo com termo no 3.º dia útil seguinte ao da apresentação do requerimento do AJP (o que, para além da remissão para o artigo 28.º, é também corroborado pelo teor da norma contida no n.º 3 do mesmo artigo 17.º-G, do CIRE), o legislador não apenas postergou qualquer possibilidade de o devedor trazer a juízo os factos e as razões que pudessem levar a conclusão diversa quanto à sua situação de insolvência, como configurou um processo sem paralelo por comparação com os processos em que a iniciativa coube a terceiros, em especial, os próprios credores (tal como permitido pelo artigo 20.º do CIRE). A isto acrescem outras limitações que para o devedor podem decorrer do requerimento do AJP no sentido da insolvência quanto a certos mecanismos previstos no CIRE e que, por aquela razão, podem ser afastados (vide os artigos 224.º, n. os 1 e 2, e 236.º, n.º 1, ambos do CIRE – respetivamente, administração da massa insolvente pelo devedor e pedido de exoneração do passivo restante, ficando naquele caso afastada a possibilidade de o devedor requerer tal exoneração). Assim sendo, a norma constante do n.º 4 do artigo 17.º-G do CIRE, tal como interpretada no caso dos autos, configura uma restrição ao direito fundamental de defesa em tribunal, previsto no artigo 20.º da CRP, não garantindo ao devedor a defesa da sua posição mediante um processo equitativo. E esta restrição não parece encontrar justificação bastante nos demais direitos e bens constitucional- mente protegidos que habilitasse, em ponderação e de acordo com critérios de proporcionalidade e justa medida, adequar o regime normativo em presença aos ditames constitucionais derivados dos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Lei Fundamental. Pode reconhecer-se que a expedita solução legal de fazer equivaler o requerimento do AJP à apresenta- ção à insolvência pelo devedor, que assim se vê compelido a reconhecer a sua situação de insolvência (não obstante não ter manifestado a sua anuência ou mesmo tendo-se oposto às conclusões do parecer que habi- litaram tal conclusão), a decidir no 3.º dia útil posterior ao da apresentação do requerimento, é seguramente informada pelo valor da celeridade processual – a que o próprio artigo 20.º da CRP não deixa de se referir no seu n.º 5 –, ao qual se reconhece assumir especial relevância na condução de processos de insolvência. Do mesmo passo, reconhece-se que a ponderação do parecer do AJP – emitido na sequência de um processo especial de revitalização que não logrou a aprovação do plano de revitalização e assim incluindo toda a infor- mação relevante obtida no âmbito do processo que o antecedeu que permita aferir da situação do devedor – representa também para o processo um factor de celeridade e economia processual. Todavia, o objetivo de celeridade, cuja relevância na condução dos processos de insolvência é evidente (seja em benefício dos credores cujos direitos se prosseguem e protegem, seja em benefício do próprio deve- dor, assim se definindo o seu estatuto) não se afigura constituir por si só um objetivo absoluto que justifique a desconsideração da posição do devedor/insolvente nos autos de insolvência que se seguem à emissão do pare- cer e requerimento do administrador judicial provisório com vista à declaração de insolvência do devedor. Acresce que, no processo de insolvência, o específico papel do administrador judicial (neste caso, provi- sório), ditado por obrigações de rigor técnico e de imparcialidade, dificilmente se compagina com o estatuto de parte num processo contraditório, de modo a discretear as razões que possam ser aduzidas em desfavor das conclusões por si alcançadas e dos elementos trazidos ao processo. Isto também tendo presente que o AJP não representa nem o devedor nem os seus credores – cuja posição, não obstante a relevância dos seus interesses,
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=