TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
65 acórdão n.º 211/17 sequer a possibilidade de demonstração de uma realidade diversa. A este propósito, pode assinalar-se que a doutrina fiscal dedica alguma atenção à comparação entre as duas figuras, seja na afirmação da sua diferença (assim João Sérgio Ribeiro entende que numa presunção é necessário que entre o facto base ou facto conhe- cido e o facto presumido exista uma relação lógica de probabilidade, o que não acontece no caso das ficções, em que a verdade jurídica é assumida pelo legislador, independentemente da sua correspondência à verdade real, cfr., do Autor, Tributação Presuntiva do Rendimento – Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indi- rectos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, Coimbra, 2014 (reimpressão da edição de 2010), p. 408), seja no esbatimento dessa diferença (assim, Ana Paula Dourado, pese embora entenda que o juízo de probabilidade caracteriza as presunções – mesmo as que não admitem contraprova – sendo alheio às fic- ções, integra o recurso às presunções e às ficções no âmbito mais vasto das técnicas de tipificação legal, cfr. O Princípio da Legalidade Fiscal – Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, Almedina, Coimbra, 2007, em especial, pp. 602-606 e pp. 612-622). No caso vertente, da formulação da norma em causa retira-se tão só que o valor de referência para efeitos de apuramento dos ganhos obtidos com a realização da venda corresponde ao valor de avaliação do imóvel para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas (IMT), ou seja ao valor patri- monial tributário apurado nos termos do CIMI, sempre que este seja superior ao valor da contraprestação constante da escritura (ou outro documento) da compra e venda. Entenda-se a técnica usada pelo legislador como uma verdadeira e própria presunção (a lei presume o valor do rendimento obtido por referência ao VPT, enquanto valor-padrão ou rendimento normal ou seja, como rendimento provável) ou como uma fic- ção (a lei ficciona ter sido auferido com a venda um valor idêntico ao do VPT do imóvel) na determinação do ganho obtido com a transação onerosa do imóvel para efeito de apuramento das mais-valias – admitindo- -se assim a distinção entre os dois conceitos –, certo é que o resultado da sua aplicação não difere quanto ao apuramento da matéria coletável, na medida em que, num caso como noutro, o VPT do imóvel prevalece na determinação da base tributária (não se admitindo, mesmo na hipótese de se tratar de um rendimento presumido, prova do contrário), desconsiderando-se, assim, o rendimento efetivamente auferido pelo con- tribuinte quando inferior ao decorrente do valor de referência estabelecido. Em todo o caso, não cabendo ao Tribunal Constitucional sindicar a qualificação da norma em questão, deve tomar-se como a ‘norma do caso’ (e objeto do presente recurso, supra delimitado em II – 9-12.) – que se apresenta como um dado a este Tribunal – a dimensão normativa do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS desaplicada nos autos, que o juiz a quo entende encerrar uma presunção inilidível ou absoluta – presunção iuris et iure . 16. Entendeu a sentença recorrida que a norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, na medida em que faz prevalecer o valor de avaliação do imóvel para efeitos de liquidação do IMT sobre o valor declarado como o valor da contraprestação pela venda do imóvel, para o efeito de apuramento das mais-valias, consubs- tancia o recurso a um método presuntivo na fixação da matéria coletável, o qual, sendo insuscetível de ilisão pelo contribuinte, infringe os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva. Para o efeito, ponderou o Juiz que «a existência de uma presunção inilidível pode resultar na tributação de um sujeito passivo sem capacidade contributiva, criando-se uma desigualdade injustificada entre os con- tribuintes tributados ao seu abrigo e os restantes contribuintes». Considera ainda a sentença ora recorrida que qualquer presunção inilidível consagrada no CIRS, espe- cialmente em matéria de determinação da matéria coletável, desrespeita a «garantia substantiva de reserva de lei». A sentença ora recorrida procede, pois, à desaplicação da norma do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, na dimensão normativa em causa, por inconstitucionalidade, fundada esta na violação do princípio da reserva de lei fiscal e dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, ancorando-se, para o efeito, nos arti- gos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição.
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