TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
646 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL contraditório). Pois que, como bem refere o supra citado acórdão da Relação do Porto, o direito de recorrer não se confunde com o direito ao contraditório, direito este que deve ser assegurado antes (e não depois) do tribunal decidir. O próprio n.º 1 do art. 42.º, e como não podia deixar de ser, correlaciona o recurso com a discordância que se tenha “face aos elementos apurados”. Por isso, não é o direito de recorrer do devedor que pode suprir a falta do seu chamamento para se opor ao requerimento de insolvência do AJP. E no que respeita à oposição por embargos? Em sítio algum previu a lei a possibilidade de um tal contraditório subsequente. Descartando desde já a apli- cação direta da alínea a) do n.º 1 do art. 40.º (pois que a oposição por embargos está aí prevista apenas para o caso do devedor que se encontra em situação de revelia absoluta, e não para um caso como aquele de que estamos a falar), restar-nos-ia a aplicação analógica. E, como acima ficou expresso, há doutrina que aponta para essa solução. Simplesmente, não faz sentido enveredar-se aqui por uma aplicação analógica, pois que não existe qualquer lacuna a preencher (v. art. 10.º do CCivil). Efetivamente, dos n. os 3 e 4 do art. 17.º-G não se infere que se regista simples- mente um caso omisso, pelo contrário, o que decorre de tal conjunto normativo é o propósito da lei em excluir o contraditório. Com que autoridade pode então enveredar o intérprete por um contraditório subsequente, se a lei não dá qualquer sinal, muito pelo contrário, de o querer? Na realidade, fica por explicar a lógica de um contradi- tório subsequente mediante embargos, quando nada impediria, caso a lei assim o pretendesse, um contraditório prévio. Acresce dizer que as normas atinentes ao contraditório subsequente têm natureza excecional (isto retira-se claramente do n.º 2 do art. 3.º do CCivil, conjugado com as normas que, precisamente, admitem um tal contradi- tório), e a verdade é que as normas excecionais não comportam aplicação analógica (art. 11.º do CCivil). Em boa verdade, o recurso aos embargos num caso como o que temos pela frente não passaria de uma forma enviesada de neutralizar a inconstitucionalidade constatada. Sucede que é um contrassenso ir à busca de soluções de conveniên- cia com vista a evitar a declaração de uma inconstitucionalidade que está constituída. Sendo as supra citadas normas do art. 17.º-G inconstitucionais na interpretação que delas se pode fazer, está o tribunal impedido de as aplicar. É o que resulta do art. 204.º da CRP. Volvendo ao caso vertente: Não consta do acórdão recorrido que a Devedora tenha aceitado o parecer do AJP no sentido da verificação da sua situação de insolvência. Pelo contrário, o acórdão assinala que não resulta dos autos se se pronunciou e, se o fez, em que sentido. Acresce observar que no processo de insolvência que lhe foi movido pelo ora recorrente, e entre- tanto suspenso por efeito da apresentação do PER, a Devedora contestou o pedido, sinal de que não se representa como insolvente. Donde, tendo a Devedora sido declarada insolvente mas sem que previamente – isto por efeito da aplicação de normas inconstitucionais (n. os 3 e 4 do art. 17.º-G, nos segmentos e na interpretação em causa) – se lhe tivesse sido dado a possibilidade de contraditar o requerimento ( rectius , parecer) do AJP, não tinha o acórdão recorrido senão que extrair as devidas consequências. E estas consequências eram o juízo de inconstitucionalidade material do normativo ao abrigo do qual foi proferida a sentença da 1.ª instância e, em decorrência, a apodítica revogação desta. O que significa que improcedem as conclusões VI (2.ª parte), VII (no que tem de contrário ao que acima se referiu), VIII, XIII, XIV, XV, XX, XXI e XXII, não merecendo o acórdão recorrido qualquer censura neste parti- cular. Nas conclusões XVII e XVIII o recorrente insurge-se contra a solução encontrada no acórdão recorrido para garantir agora o contraditório que se impunha constitucionalmente ter sido observado. O acórdão considerou a propósito que “(…) deixando o requerimento do AJP de valer como confissão de insolvência por parte do devedor, cremos que, agora sim, se justificará, atendendo sobretudo ao princípio do contraditório, a aplicação por analogia, das regras do art. 30.º e 35.º do CIRE (art. 10.º, n.º 2 do Cód. Civil)”. Mas também aqui o acórdão não é passível de qualquer censura. Efetivamente, desde que está adquirido que a Devedora devia ter sido ouvida mas não foi, impõe-se levar a cabo o contraditório omitido. E à míngua de outra solução legal mais conveniente ou adequada, o contraditório não pode deixar de ser feito valer senão nos termos, aqui aplicáveis por analogia (art. 10.º, n.º 2 do CCivil), dos art.s 30.º e 35.º do CIRE. Esta solução, contrariamente ao que afirma o recorrente, não coloca “questões de manifesta
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