TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

645 acórdão n.º 401/17 b) revogar a sentença recorrida, ordenando-se a citação da devedora, ora apelante, para, no prazo de dez dias, deduzir oposição nos termos do art. 30.º do CIRE, seguindo-se, se houver oposição, audiência de discussão e julgamento nos termos do art. 35.º do CIRE.» E, apreciando em recurso esta decisão, entendeu o STJ confirmá-la, como resulta do seguinte trecho do acórdão prolatado em 17 de novembro de 2015 (que viria a inspirar jurisprudência posterior, como ilustrado pelo recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de janeiro de 2017, proferido no processo 3190-16.7T8FNC-B.L1-8): «[É] constitucionalmente inaceitável que se coarte ao devedor a possibilidade de contrariar os fundamentos do parecer e do requerimento do AJP. Efetivamente, estabelece a Constituição da República Portuguesa (art. 20.º, n. os 1 e 4) que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como a que a causa em que intervenham seja objeto de uma decisão mediante um processo equitativo. Seguindo Jorge Miranda e Rui Medeiros ( Constituição Portuguesa Anotada, I, p. 192 a 194), podemos dizer que “a exigência de um processo equitativo impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas pro- tagonizam no processo. Um processo equitativo postula, por isso, a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas. (…) Do conteúdo do direito de defesa e do princípio do contraditório resulta, prima facie , que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efetiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes de o tribunal decidir questões que lhes digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras”. De acordo com a vária jurisprudência do Tribunal Constitucional que tem sido produzida sobre o tema, do princípio do contraditório decorre, em primeira linha, a regra fundamental da proibição da indefesa, de sorte que nenhuma decisão pode ser tomada pelo tribunal sem que previamente tenha sido dada a efetiva possibilidade ao sujeito demandado de a discutir, contestar e valorar. Ora, na situação que estamos a examinar, n. os 3 e 4 do art. 17.º-G, esta indefesa é patente, por isso que quer aqui a lei ordinária que o devedor possa ser declarado insolvente a requerimento do AJP mas ao mesmo tempo cerceia-lhe a prévia possibilidade de contrariar os factos e as provas que a tal efeito podem conduzir. Sendo esta a interpretação que fazemos das ditas normas (e não conhecemos quem faça interpretação diferente), a sua inconsti- tucionalidade segundo tal interpretação afigura-se-nos incontornável. Para obviar a esta inconstitucionalidade, poder-se-ia argumentar, como fazem alguns dos autores acima citados, com a possibilidade de defesa subsequente mediante embargos e com a possibilidade de recurso, tudo nos termos supostamente aplicáveis da alínea a) do n.º 1 do art. 40.º e do art. 42.º. Trata-se, porém, de uma argumentação que tem de ser rejeitada. Isto pelo seguinte: Não duvidamos que a exigência constitucional de um processo equitativo não impede que o legislador goze de liberdade de conformação na concreta estruturação do processo judicial. O que não pode é suprimir nessa estruturação o núcleo essencial da garantia constitucional, sem oferecer uma alternativa que a reponha. É o caso. A lei começa por suprimir a garantia de um processo equitativo, na medida em que não permite o exercício do contraditório prévio, mas também não oferece qualquer alternativa que possa colmatar essa supressão. Nem o recurso contra a decisão que declara a insolvência nem a oposição por embargos servem de argumento em contrário. Vejamos: No que respeita à possibilidade de recurso, podendo embora o recurso ter sempre utilidade para o devedor, resolve-se esta possibilidade numa faculdade desinteressante (inócua) para os estritos fins em causa (garantia do

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