TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

644 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8 de julho de 2015 (Processo 801/14.2TBPBL- -C.C1), concluiu-se: «De todo o modo, não se acompanha a solução (do citado aresto [entenda-se: do Acórdão do TRP de 26/03/2015]) de que, no caso em que o devedor não aceita a sua situação de insolvência, após o requerimento de insolvência apresentado pelo AJP, nos termos do art. 17.º-G n.º 4 do CIRE, se adapte o processado, previsto no art. 28.º, como expressamente prevê o n.º 4 do art. 17.º-G, ordenando-se a citação do devedor, nos termos do art. 29.º, seguindo-se os termos do art. 35.º, caso este deduza oposição. O objectivo do legislador não foi, por certo, levar a adaptação do disposto no art. 28.º do CIRE ao ponto de permitir a citação do devedor nos termos do art. 29.º do CIRE e, em caso de oposição, os subsequentes termos do art. 35.º, pois, se assim fosse, tê-lo-ia dito claramente. Em síntese, não existe violação do princípio do contraditório expresso no art. 3.º do CPC, nem é possível qualquer interpretação (correctiva) do art. 17.º-G, n.º 3 e 4, adaptando-o a tal princípio. Aliás, a haver violação do princípio do contraditório, sempre se estaria perante uma nulidade processual que teria de ser arguida pela recorrente no prazo de 10 dias, nos termos conjugados dos art. 199.º e 149.º do CPC (cfr. Ac. STJ de 13.1.2005, Araújo de Barros, em www.dgsi.pt ). Ora, a recorrente invocou a “nulidade” da sentença, por violação do art. 3 do CPC, já para além do prazo legal de 10 dias, pois o que consta dos autos é que as alegações apenas deram entrada com a multa correspondente ao 1.ª dia útil depois do prazo legal de 15 dias para o recurso. Isso não significa, no entanto, que o n.º 4 do art. 17.º-G, com a interpretação que lhe foi dada na sentença recorrida (e que é a única admissível, em nosso entender) não padeça de inconstitucionalidade, nos termos do art. 20.º, n.º 1, 4 e 5 da CRP, por violação do princípio do acesso ao direito e do princípio do direito a um processo equitativo (inconstitucionalidade também arguida pela recorrente na conclusão 19) e do acesso à tutela jurisdi- cional efectiva, a que se reporta o n.º 5 e a epígrafe do artigo. O direito de acesso ao direito previsto no n.º 1 do art. 20.º da CRP inclui o direito de acção e o direito de defesa, que se efectivam através de um processo equitativo (n.º 4). Ora, o significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva. E, no que agora importa, essa conformação só se alcança através de outro princípio como o direito de defesa e o direito ao contraditório, traduzido, fundamentalmente, na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito e de oferecer provas (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada , Volume I, 4.ª edição, p. 425). Assim, revertendo ao caso “ sub judice ”, verifica-se que o n.º 4 do art. 17.º-G do CIRE, interpretado no sentido de que, caso o AJP emita parecer de que o devedor se encontra em situação de insolvência e requeira essa insolvên- cia, se deve aplicar o art. 28.º do CIRE, com as necessárias adaptações, enferma de inconstitucionalidade material por violação do princípio do processo equitativo – no que este princípio implica de direito à defesa e de direito ao contraditório, quer no plano da alegação quer no plano da prova – e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º, n.º 1, 4 e 5 da CRP). No termos do art. 204.º da CRP, não pode o tribunal aplicar esta norma, o que implica a inexistência de lei expressa para o caso e a existência de uma lacuna a carecer de integração, integração essa que pode ser feita por analogia. Com efeito, deixando o requerimento do AJP de valer como confissão de insolvência por parte do devedor, cre- mos que, agora sim, se justificará, atendendo, sobretudo, ao princípio do contraditório, a aplicação, por analogia, das regras do art. 30.º e 35.º do CIRE (art. 10.º, n.º 2 do Cód. Civil). Pelo exposto acordam os Juízes deste Tribunal em: a) recusar por inconstitucionalidade material, por violação do art. 20.º, n.º 1, 4 da CRP que consagra o direito a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efectiva, a aplicação do disposto no n.º 4 do art. 17.º-G do CIRE, interpretado no sentido de que, requerida a insolvência do devedor pelo administrador judicial provisório, se deve aplicar, de imediato, o disposto no art. 28.º, com as necessárias adaptações, isto é, que o requerimento do administrador judicial provisório pedindo a insolvência do devedor deve implicar o reconhecimento por este da sua situação de insolvência e a dispensa da sua audiência;

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