TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
639 acórdão n.º 401/17 insolvência, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, desaplicando a norma (por inconstitucionalidade material) e encerrando o PER, sem mais.» A Juíza pondera então o entendimento (que considera ver refletido em certa jurisprudência) «no sentido que o direito de defesa e o princípio do contraditório, como decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo (artigo 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa) determinam que uma interpretação dos artigos 17.º-G, n.º 4, e 28.º do CIRE, conforme à constituição, imponha que o devedor seja admitido a deduzir oposição ao parecer do administrador judicial provisório». Porém, entende a Juíza que esta posição levanta questões de natureza processual difíceis de resolver. Considerando que o administrador judicial provisório não tem legitimidade para intervir como parte (quer por não fazer parte do elenco dos legitimados previsto no artigo 20.º do CIRE, quer por não ter qualquer interesse direto na causa, não retirando qualquer utilidade da mesma, de acordo com o artigo 30.º, n. os 1 e 2, do Código de Processo Civil), num processo sujeito a contraditório, como aquele que necessariamente se seguiria à oposição do devedor, com audiência de discussão e julgamento (artigo 35.º do CIRE), conclui que «a norma do disposto no artigo 17.º-G, n.º 4, quando interpretada no sentido de o parecer do administrador judicial provisório equivaler a apresentação à insolvência por parte do devedor, quando este discorda da sua situação de insolvência, é inconstitucional, sendo de desaplicar a norma, encerrando o PER, sem mais.» 10.2. Com interesse ainda para a compreensão do objeto do presente recurso, verifica-se que o recor- rente Ministério Público, em face do enunciado na decisão recorrida, vem considerar (nas suas alegações de recurso) que, a final, «a interpretação normativa desaplicada não é, só por si, conforme ou desconforme à Constituição, uma vez que admite aplicações violadoras do Texto Fundamental a par de aplicações não viola- doras do mesmo», pelo que «a desarmonia com o Texto Fundamental não reside, no caso vertente, na própria norma jurídica resultante do processo hermenêutico levado a cabo pela ilustre decisora a quo mas sim no acto posterior de aplicação da norma ao caso concreto». Isto, para concluir que «não sendo a interpretação norma- tiva do artigo 17.º-G, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas desaplicada nos autos, inconstitucional per se, e não se verificando que qualquer das suas aplicações necessárias se revele violadora da Constituição (uma vez que a aplicação feita na douta decisão recorrida não resulta de uma inexorável imposição legal), a interpretação normativa questionada nos presentes autos não se revela desconforme com a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com o disposto nos n. os 1 e 4 do seu artigo 20.º.» 11. A este respeito, cumpre primeiramente advertir que, por regra, não cumpre ao Tribunal Constitu- cional pronunciar-se sobre o sentido e o modo das interpretações – de sentido divergente – alegadamente derivadas da norma legal em causa, nem adotar qualquer um dos sentidos normativos em confronto na decisão recorrida, mas tão só apreciar a constitucionalidade da «norma» cuja aplicação foi afastada, a qual, na economia do presente aresto, constituirá o respetivo objeto. Como já se escreveu (cfr. Acórdão n.º 276/04 – disponível, bem como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt ): «(…) Conforme tem sido reiteradamente afirmado, não cabe ao Tribunal Constitucional dirimir conflitos de interpretação de normas infraconstitucionais, nem determinar qual a melhor interpretação dessas normas (melhor, no sentido de que a ela conduz mais directamente a observância estrita dos cânones hermenêuticos). Por outro lado, é certo que, existindo mais do que uma interpretação possível da norma em causa, deverá este Tribunal pon- derar se não será de tomar como dado uma interpretação que, embora tida por menos boa ou até por inconstitu- cional, seja, todavia, a adoptada pelos tribunais.» Para além disso, as considerações tecidas quanto aos juízos subsuntivos a formular a jusante pelos tribunais, tal como decorre das alegações do recorrente, não se afiguram determinantes para o efeito da
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