TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

635 acórdão n.º 401/17 2. Com a interposição deste recurso, pretende o Ministério Público que o Tribunal Constitucional proceda à apreciação da constitucionalidade “(…) da norma constante do artigo 17.º-G, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pela Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto e Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, alterado pelos Decretos-Lei n.º 200/2004, de 18 de agosto, 76-A/2006, de 29 de março, 282/2007, de 7 de agosto, 116/2008, de 4 de julho, 185/2009, de 12 de agosto e Lei n.º 16/2012, de 20 de abril (…)”. 3. Os parâmetros de constitucionalidade cuja violação foi invocada foram o da “(…) Unidade do Sistema Jurí- dico, do Contraditório, do Direito de Defesa e da Exigência de um Processo Equitativo, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa”. 4. Dando cumprimento a solicitação que lhe foi endereçada pelo Tribunal, conformou, o Ministério Público, o objecto normativo do recurso nos seguintes termos: “deverá constituir objecto do recurso a questão da inconsti- tucionalidade da norma do artigo 17.º-G, n.º 4, do CIRE, quando interpretada no sentido de o parecer do admi- nistrador judicial provisório que conclua pela situação de insolvência equivaler, por força do disposto no artigo 28.º – ainda que com as necessárias adaptações –, à apresentação à insolvência por parte do devedor, quando este discorde da sua situação de insolvência”. 5. Segundo o entendimento expresso pela Mm.ª Juíza a quo , na douta decisão recorrida, esta interpretação normativa do artigo 17.º-G, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas pode revelar-se – em duas das três leituras identificadas do seu conteúdo –, e revela-se efectivamente, na leitura por si adoptada, incons- titucional, por violação do “direito de defesa” e do “princípio do contraditório”, enquanto decorrências do “direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo, previstos no art.º 20.º, n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa”. 6. Efectivamente, a resposta jurídica eleita pela Mm.ª Juíza a quo encontra raízes num pressuposto que sustenta quer a segunda, quer a terceira soluções, por ela, preconizadas na fundamentação (reproduzidas nos Pontos 2 e 3 do artigo 9.º da presente alegação), a saber, que se se interpretar o artigo 17.º-G, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no sentido de que o devedor não pode, em qualquer circunstância, opor-se ao parecer emitido pelo administrador judicial provisório, ocorre a violação dos princípios do acesso ao direito à tutela jurisdicional efectiva. 7. Partindo deste juízo, que não contestamos, conclui a Mm.ª decisora a quo que, a partir daí, poderão ser tra- çados dois caminhos: um, do qual resulta “uma aplicação conforme à constituição” (por via, diremos nós, da aplica- ção do “disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações”, expressamente previsto no referido artigo 17.º-G, n.º 4); e outro, do qual decorre uma solução violadora da Constituição, o caminho escolhido pela ilustre decisora. 8. Ambas as soluções implicam, e aplicam, a norma contida no artigo 17.º-G, n.º 4, do Código da Insol- vência e da Recuperação de Empresas, interpretada no sentido de o parecer do administrador judicial provisório que conclua pela situação de insolvência equivaler à apresentação à insolvência por parte do devedor, mesmo que este discorde da sua situação de insolvência, por força do disposto, com as necessárias adaptações, no artigo 28.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (ou seja, a interpretação desaplicada pela douta decisão impugnada). 9. Isto é, torna-se, desde logo, perceptível, que a interpretação normativa desaplicada não é, só por si, conforme ou desconforme à Constituição, uma vez que admite aplicações violadoras do Texto Fundamental a par de aplica- ções não violadoras do mesmo. 10. Ora, se a interpretação normativa questionada nos autos admite aplicações constitucionalmente confor- mes – a par de leituras violadoras da Constituição, como a da Mm.ª Juíza da primeira instância – não poderemos deixar de concluir que a desarmonia com o Texto Fundamental não reside, no caso vertente, na própria norma jurídica resultante do processo hermenêutico levado a cabo pela ilustre decisora a quo mas sim no acto posterior de aplicação da norma ao caso concreto. 11. Ou seja, é no momento da actividade da subsunção dos factos ao direito, momento situado logicamente a jusante da determinação e eleição da norma aplicável à boa decisão da lide, que a douta decisão recorrida se revela violadora do princípio do contraditório e, consequentemente, do direito a um processo equitativo.

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