TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
626 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e constrangimentos que assumem inegável relevo na esfera jurídica daquele a quem a declaração de insolvência visou; ao fazer equivaler o requerimento de insolvência do devedor à sua apresentação à insolvência (nos casos, como ocorre nos autos, em que o devedor não concordou com o parecer e requerimento do AJP quanto à sua insolvência) e ao fazer avançar o processo de insolvência para uma declaração a proferir no curtíssimo prazo com termo no 3.º dia útil seguinte ao da apresentação do requerimento do AJP, o legislador não apenas postergou qualquer possibilidade de o devedor trazer a juízo os factos e as razões que pudessem levar a conclusão diversa quanto à sua situação de insolvência, como configurou um processo sem paralelo por comparação com os processos em que a iniciativa cou- be a terceiros, em especial, os próprios credores; a isto acrescem outras limitações que para o devedor podem decorrer quanto a certos mecanismos previstos no CIRE e que, por aquela razão, podem ser afastados. IV – Assim sendo, a norma constante do n.º 4 do artigo 17.º-G do CIRE, tal como interpretada no caso dos autos, configura uma restrição ao direito fundamental de defesa em tribunal, previsto no artigo 20.º da Constituição, não garantindo ao devedor a defesa da sua posição mediante um processo equitativo, e esta restrição não parece encontrar justificação bastante nos demais direitos e bens cons- titucionalmente protegidos que habilitasse, em ponderação e de acordo com critérios de proporciona- lidade e justa medida, adequar o regime normativo em presença aos ditames constitucionais derivados dos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Lei Fundamental. V – Embora possa reconhecer-se que a expedita solução legal de fazer equivaler o requerimento do AJP à apresentação à insolvência pelo devedor, é seguramente informada pelo valor da celeridade proces- sual – a que o próprio artigo 20.º da Constituição não deixa de se referir no seu n.º 5 –, ao qual se reconhece assumir especial relevância na condução de processos de insolvência e, do mesmo passo, se reconheça que a ponderação do parecer do AJP representa também para o processo um fator de celeridade e economia processual, o objetivo de celeridade, cuja relevância na condução dos processos de insolvência é evidente (seja em benefício dos credores, seja em benefício do próprio devedor) não se afigura constituir por si só um objetivo absoluto que justifique a desconsideração da posição do devedor/insolvente nos autos de insolvência que se seguem à emissão do parecer e requerimento do administrador judicial provisório com vista à declaração de insolvência do devedor. VI – Acresce que, no processo de insolvência, o específico papel do administrador judicial (neste caso, pro- visório), ditado por obrigações de rigor técnico e de imparcialidade, dificilmente se compagina com o estatuto de parte num processo contraditório, de modo a discretear as razões que possam ser aduzidas em desfavor das conclusões por si alcançadas e dos elementos trazidos ao processo; isto também tendo presente que o AJP não representa nem o devedor nem os seus credores – cuja posição, não obstante a relevância dos seus interesses, aqui também não se mostra especialmente acautelada, a não ser por via da celeridade conferida à decisão de insolvência –, nem tem, por si, qualquer interesse no processo. VII – Assim, mesmo em face da invocação de outros valores constitucionalmente relevantes – como o obje- tivo de celeridade na condução e desfecho dos processos de insolvência – o regime que resulta da inter- pretação normativa sob apreciação, ao fazer equivaler o requerimento de insolvência formulado pelo administrador judicial provisório à apresentação à insolvência pelo devedor quando este não tenha manifestado a sua anuência quanto à situação de insolvência, a decidir em processo judicial em que não se prevê qualquer forma de participação do devedor em defesa dos seus direitos, representa uma restrição desproporcionada dos direitos do devedor em processo de insolvência de acesso ao direito e
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