TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
609 acórdão n.º 399/17 norma sob sindicância, a questão que em seguida se coloca consiste em saber se o específico tipo de retroativi- dade a que a tal aplicação corresponde é ou não constitucionalmente admissível à luz da tutela da confiança. 11. Segundo reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, o princípio da tutela da con- fiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º) apenas exclui a possibilidade de leis retroativas quando sejam afetados, forma inadmissível e arbitrária, os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos contribuintes. Socorrendo-nos da formulação seguida no Acórdão n.º 128/09, pode dizer-se que o princípio da tutela da confiança vem sendo sucessivamente densificado na jurisprudência constitucional nos termos seguintes: «Para que [a confiança] seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegi- dos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicita- mente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). De acordo com o primeiro dos critérios enunciados, a lesão da confiança constitucionalmente censurá- vel pressupõe a existência de expectativas legítimas, a sua afetação em sentido desfavorável e a existência de uma mutação normativa do ordenamento com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela cons- tantes não pudessem contar. Ora, poder-se-á considerar que a norma do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, cujos efei- tos retroagem a 18 de julho de 2012 – data em que a Portaria n.º 215/2012 começou a produzir efeitos –, viola a confiança dos agentes económicos abrangidos pela nova fórmula de cálculo da “taxa de segurança alimentar mais” de forma inesperada e arbitrária e, em consequência, em termos constitucionalmente inadmissíveis? A resposta não pode deixar de ser negativa. Tendo em conta que os novos critérios de apuramento da TSAM estabelecidos na Portaria n.º 200/2013 apenas são retroativamente aplicáveis na medida em que não conduzam à fixação de um valor superior ao que resultaria da aplicação do regime contemporâneo do facto que originou a liquidação do tributo, a única retroatividade efetivamente consentida pela norma sindicada é a chamada retroatividade in bonam partem – aquela que, consistindo na atribuição de eficácia ex tunc ao regime mais favorável para os sujeitos abrangidos, não dá obviamente lugar a qualquer afetação desfavorável das suas legítimas expectativas. Através da aplicação retroativa da nova fórmula de determinação do referido tributo, as entidades sujei- tas ao respetivo pagamento não apenas não viram inviabilizado qualquer plano que pudessem ter feito à luz do quadro normativo que julgavam ser-lhe aplicável para aquele período, como passaram a contar com a possibilidade de ver a sua situação fiscal a este nível melhorada. 12. Particularmente elucidativo do que se acaba de afirmar-se é o próprio caso subjacente ao processo-base. Conforme dos autos resulta, a recorrida começou por ser notificada para proceder ao pagamento da prestação da “taxa de segurança alimentar mais” relativa ao ano de 2012, no valor de 7 882,56 € (sete mil oitocentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), calculado, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º da Portaria n.º 215/2012, em função da área declarada de venda do estabelecimento (1 932 m2). Posterior- mente, em 15 de julho de 2013, foi novamente notificada para proceder ao pagamento da “taxa de segurança alimentar mais”, agora relativa à primeira prestação do ano de 2013, no valor de 3 100,86 € (três mil e cem euros e oitenta e seis cêntimos), já de acordo com os critérios decorrentes da alteração às regras de cálculo efetuada pela Portaria n.º 200/2013. Pese embora o valor em princípio devido, referente ao primeiro semestre de 2013, fosse, de acordo com as novas regras introduzidas pela Portaria n.º 200/2013, de 5 071,50 € (cinco mil e setenta e um euros e
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=