TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
607 acórdão n.º 399/17 Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a compe- tência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe. Como afirmaram Alexandre Sousa Pinheiro e Mário João de Brito Fernandes, “na ausência de regime geral não pode o intérprete subverter a vontade do legis- lador (constituinte ordinário) criando uma reserva integral” (In “ Comentário à IV Revisão Constitucional , p. 417, ed. de 1999, da AAFDL). O Tribunal Constitucional logo extraiu estas conclusões relativamente à aprovação de taxas individualizadas por ato legislativo do Governo não autorizado, sem que a Assembleia houvesse aprovado um regime geral das taxas (Acórdãos n.º 38/00 e 333/01), não havendo razões para que, relativamente à criação de contribuições financeiras, se estabeleça uma solução diversa, efetuando uma distinção onde o texto constitucional não distingue. Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais. Por estas razões conclui-se que o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, não viola a reserva rela- tiva de competência legislativa da Assembleia da República estabelecida no artigo 165.º, n.º 1, i) , da Constituição.” De acordo com a orientação firmada no citado aresto, a “taxa de segurança alimentar mais” constitui uma “contribuição especial” – e não um “imposto” ou sequer uma verdadeira “taxa” –, razão pela qual se não inscreve no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, consagrada na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição – que apenas abrange o próprio regime geral das contri- buições financeiras. Inexistindo qualquer razão para nos afastarmos de tal entendimento – com o qual, de resto, se confor- mou o próprio tribunal a quo –, importa seguidamente verificar se a aplicação do novo método de cálculo da “taxa de segurança alimentar mais” resultante da Portaria n.º 200/2013 a factos tributários verificados em momento anterior ao da respetiva entrada em vigor contende com a proibição de retroatividade constante do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição. 9. Contrariamente ao que sucede no âmbito da reserva relativa de competência legislativa constante da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º – relativamente à qual o legislador constituinte procedeu à diferenciação entre as figuras do imposto, taxa e contribuições financeiras –, a proibição da retroatividade da lei fiscal cons- tante do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição surge desacompanhada de idêntica particularização. Na medida em que do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição consta apenas a referência a “impostos”, sem qualquer alusão às duas outras aludidas categorias de tributos, a questão que cumpre resolver con- siste em saber se, enquanto contribuição especial, a denominada “taxa de segurança alimentar mais” deverá reconduzir-se à categoria de “impostos”, merecendo idêntico tratamento no que respeita à proibição de retroatividade. Por outras palavras, trata-se de perceber se a proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, vale apenas quanto às leis definidoras de impostos ou também quanto às leis que disciplinem contribuições financeiras. Tal como a referente à qualificação da taxa de segurança alimentar mais, também a questão relativa à determinação do âmbito de aplicação do princípio da proibição de retroatividade fiscal consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição foi já apreciada na jurisprudência deste Tribunal. Estando então igualmente em causa a aplicação retroativa de normas relativas a determinada contribui- ção especial, escreveu-se no Acórdão n.º 135/12 a tal propósito o seguinte: “Nada indica, nomeadamente os trabalhos preparatórios da Revisão Constitucional, que, ao estabelecer esta proibição de retroatividade, o legislador constitucional não tenha tido em mente apenas o conceito de imposto,
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