TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

604 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interpretação, em nome da segurança jurídica e da eficiência no processo de liquidação da taxa” de segurança alimentar instituída pelo Decreto-Lei n.º 119/2012. Porém, ao invés das leis interpretativas propriamente ditas – que, apesar de formal e inerentemente retroativas, se limitam a fixar uma das interpretações já admitidas pela lei anterior −, a Portaria n.º 200/2013 veio reconfigurar o critério de apuramento da área relevante dos estabelecimentos abrangidos, de acordo com a qual a taxa é calculada, em termos totalmente inovatórios face aos constantes da Portaria n.º 215/2012. A questão de saber se as leis interpretativas propriamente ditas se encontram ou não abrangidas pela proibição da retroatividade em matéria fiscal constante do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é, por isso, totalmente irrelevante no caso presente. E isto porque, ao estabelecer, no n.º 1 do respetivo artigo 2.º, a aplicação do que nela se dispõe aos factos e situações até então disciplinados pela Portaria n.º 215/2012, a Portaria n.º 200/2013, apesar de se autoqualificar como meramente interpretativa, veio fixar uma solução que não era de todo extraível, sequer como um dos seus possíveis sentidos, da lei anterior, apresentando-se, desde logo por essa razão, como uma lei substancial ou materialmente retroativa: através da alteração do critério de determinação da área de venda do estabelecimento que constava da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 215/2012, a Portaria n.º 200/2013 veio, reconformar o âmbito de incidência objetivo da taxa, instituindo, por essa via, “direito [integralmente] novo” (neste sentido, sobre a distinção entre leis formal e substancialmente retroativas, vide Acórdão n.º 267/17 e, no mesmo sentido, Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 176). A sua aplicação a factos tributários passados, prescrita no n.º 1 do res- petivo artigo 2.º, configura por isso um caso de inequívoca retroatividade substancial. 7. Questão diferente, e não considerada pelo tribunal a quo, prende-se com o tipo de retroatividade substancial em causa. Conforme sabido é, nem sempre uma lei nova retroativa é mais onerosa para os sujeitos por ela abran- gidos – não o será, desde logo, se estabelecer requisitos menos exigentes para validade formal ou substancial de um determinado ato jurídico ou se for menos restritiva de certo direito fundamental relativamente à lei antiga. Quando assim seja – i. e. , quando a lei nova for mais favorável para os respetivos destinatários –, estamos perante um caso de “retroatividade in mitius ” ou “ in bonam partem ” (sobre a retroatividade in mitius , cfr., entre outros, Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Coimbra, Almedina, 2015, p. 291). No caso em presença, estamos justamente perante uma situação de retroatividade in mitius . Na medida em que, com a imposição de “coeficientes de ponderação”, se reduz, na prática, a área de venda atendível para efeitos de cálculo do valor da taxa, a nova fórmula de apuramento da área relevante do estabelecimento conduz a que a contribuição a pagar seja prima facie mais baixa, tanto mais quanto certo é que as normas relativas às isenções, constantes do artigo 3.º da Portaria n.º 215/2012, se mantiveram inal- teradas. A impossibilidade de, por efeito de aplicação do novo regime, se produzir um agravamento do valor que resultaria da aplicação do regime anterior foi, além do mais, expressamente acautelada pelo legislador. Assim, o artigo 2.º da Portaria n.º 200/2013 estabelece que “[o] “montante da taxa que resulte da apli- cação das regras constantes no artigo anterior não pode ser superior ao montante constante de liquidação anterior à data da publicação” da referida “portaria” (n.º 2) e, bem assim, que, em “caso de divergência de valores, o sujeito passivo pode solicitar o reembolso ou a compensação pela diferença paga em excesso, sem prejuízo da regularização oficiosa da liquidação” (n.º 3) Ora, perante tal quadro, poderia duvidar-se do sentido da recusa de aplicação do n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, em conjugação com o n.º 1 do respetivo artigo 2.º – no segmento em que deles se extrai ser aplicável aos factos tributários cujos efeitos se produziram antes da respetiva entrada em vigor a regra segundo a qual, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 215/2012, se entende por «área de venda do estabelecimento» toda a área de comércio alimentar apurada de acordo com

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