TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

576 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL princípios que conformam o modo de proceder dos poderes públicos e densificam a ideia da sua sujeição «a princípios e regras jurídicas» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Volume I, Coimbra, 2007, p. 205), não admitindo, desde logo por essa razão, qualquer graduação fundada nas particulares características do sujeito visado, seja qual for o segmento do direito sancionatório em que deva operar. Assim entendido – isto é, enquanto refração da ideia de vinculação dos poderes públicos a critérios ou padrões de conduta –, o princípio da presunção de inocência constitui uma regra de tratamento a dispensar a todo aquele a quem seja imputada a prática de uma infração, que define e condiciona os termos em que o Estado se encontra constitucionalmente autorizado a com o mesmo se relacionar antes do trânsito em julgado da decisão condenatória. Por isso, apesar de não ser absoluta, a inocência presumida não varia, nem quanto ao seu nível de incidência, nem quanto à definição da margem de compressão em que haja de consentir, em razão do tipo de sujeito visado pelo procedimento: do ponto de vista da presunção de inocência, pode dizer-se que se encontra constitucionalmente vedada, tanto ao legislador ordinário como ao intérprete-aplicador, qualquer solução que acolha, ainda que implicitamente, a ideia de um “processo contraordenacional do agente”. Tudo isto para fazer desde já notar que a circunstância, a que o Acórdão atende, de nos encontrarmos perante «sociedades comerciais, geralmente (…) com grandes volumes de negócios e capacidade financeira» é, quanto a mim, inidónea para justificar um nível de tolerância maior – ou, na formulação ali seguida, para atribuir um «desvalor constitucional menor» – à lesão da presunção de inocência. Para responder à questão de saber se poderá ter-se por constitucionalmente legítima a compressão da presunção de inocência que inexoravelmente decorre da opção de conferir efeito meramente devolutivo à impugnação judicial das decisões aplicativas de coima proferidas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), qualquer elemento diferenciador que deva extrair-se das particularidades do específico regime sancionatório aprovado pela Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro, só poderá residir no interesse assim prosseguido e não, sequer também, na particular condição – neste caso, financeiramente mais impressiva – dos sujeitos por tal entidade regulados. Ora, é justamente na caracterização de tal interesse que se situa a segunda das razões pelas quais me afasto do juízo que obteve vencimento. 2. Tal como no Acórdão, considero que, não sendo o princípio da presunção de inocência absoluto, a resposta à questão suscitada nos autos passa por determinar se a restrição a que tal principio é sujeito pelo regime consagrado nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE constitui um meio idóneo, exigível e proporcional aos fins que através dele se prosseguem (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). No juízo de ponderação para que somos assim remetidos, tenho, todavia, por certo que os fins a con- siderar para aquele efeito só podem ser os fins subjacentes à norma fiscalizada – que, importa relembrá-lo, consiste na atribuição de efeito meramente devolutivo à impugnação judicial, deixando esta de poder obstar à execução imediata da coima –, e não os fins que, mais amplamente, informam o regime sancionatório do sector energético, a não ser na estrita medida em que tenham naquela solução uma expressão suficientemente tangível. No enquadramento a que começa por sujeitar a norma fiscalizada, o Acórdão recorda que o regime sancionatório do sector energético, aprovado pela Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro, tem por finalidade pro- mover a eficiência e a racionalidade das atividades dos setores regulados, em termos objetivos, transparentes, não discriminatórios e concorrenciais, através da sua contínua supervisão e acompanhamento, integrados nos objetivos do mercado interno e dos mercados ibéricos, da eletricidade e do gás natural (artigo 3.º, n.º 1). Apesar de indiscutivelmente legítimo, tal interesse não apresenta, contudo – pelo menos à primeira vista –, uma conexão suficientemente próxima com o regime de impugnação judicial das decisões aplicativas de coima proferidas pela ERSE ao ponto de poder servir diretamente à identificação do fim subjacente à norma fiscalizada – isto é, da finalidade em vista da qual foi estabelecido o efeito meramente devolutivo daquela

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