TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

574 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, nem a caução, como se referiu anteriormente, tem de revestir a forma de depósito em dinheiro da quantia que o visado foi condenado a pagar a título de coima – pelo que, nesse aspeto, nada há de «auto- mático» na solução legal –, nem a substituição da imposição de prestação efetiva de coima por um regime «casuístico» permite alcançar o principal desiderato da medida, que é a regulação sistémica dos incentivos de agentes económicos que operam em mercados cujo bom funcionamento é, pelas razões várias já explicitadas, do mais intenso interesse público. Pelo que também os pressupostos, sem dúvida exigentes, da exceção ao regime-regra do efeito meramente devolutivo, não se podem considerar, em termos gerais, inexigíveis ou desnecessários. 16. Resta determinar se a medida consagrada nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, viola o subprincípio da proporcionalidade, por implicar um meio cujo efeito lesivo não é justificado, tudo visto e ponderado, pelos fins a que se destina. A esta questão deve dar-se resposta negativa, também aqui em sentido divergente do decidido no Acór- dão n.º 675/16. Na verdade, o sacrifício da presunção de inocência, operado pela medida, tem um desvalor constitucional moderado ou ligeiro, por múltiplas razões cumulativas: Como o Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente (vide, entre muitos outros, os Acórdãos n. os 158/92, 50/99, 33/02, 659/06, 99/09 e 135/09), as garantias de processo sancionatório – designada- mente, o direito à presunção de inocência – não têm, no domínio contraordenacional, peso axiológico idêntico ao que têm no âmbito criminal, em virtude do diference alcance ablativo das sanções cominadas e da diferente ressonância social das condenações proferidas; Tal peso é menor ainda quando os visados não são pessoas singulares, mas sociedades comerciais, geral- mente (e é a medida em geral que aqui está em causa) com grandes volumes de negócios e capacidade finan- ceira, sancionadas com coimas que refletem a sua situação económica, por factos praticados no âmbito de uma atividade desenvolvida em mercados densamente regulados; Embora as condenações e sanções sejam decididas por uma entidade administrativa, trata-se de uma entidade independente, tanto no plano orgânico (impossibilidade de destituição discricionária), como no plano funcional (subtração ao domínio da superintendência ou tutela), pelo que a probabilidade de que a justeza da sua decisão venha a ser secundada por um órgão jurisdicional é relativamente elevada (sobre a singularidade institucional das entidades administrativas independentes, vide o Acórdão n.º 376/16); A restrição do direito à presunção de inocência é mitigada pela exceção prevista para os casos em que a execução da sanção cause prejuízo considerável ao visado – a «válvula de escape do sistema», na expressão plástica do Acórdão n.º 376/16 –, precisamente aqueles casos em que é mais significativa a lesão à presunção de inocência associada à regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial; e Nada no regime obsta, em princípio, a que a prestação da caução seja feita no montante e pela forma que o Tribunal entender adequados, tomadas em devida consideração as particularidades do caso, as circuns- tâncias do impugnante e a função de garantia da caução. Ponderados os interesses públicos servidos pela medida e a compressão que implica do direito à presun- ção de inocência, não pode o Tribunal dar por demonstrada a violação do subprincípio da proporcionali- dade. Impõe-se, pelo contrário, reconhecer que a solução legal sob escrutínio corresponde a uma ponderação razoável dos interesses pertinentes, cuja legitimidade se reconduz ao princípio democrático em que assenta a autoridade constitucional do legislador. Conclui-se, pois, que o regime consagrado nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, não ofende o princípio da proibição do excesso. 17. Tratando-se de recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não há lugar ao paga- mento de custas, nos termos do artigo 84.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=