TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

572 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «10. A Constituição consagra o princípio da presunção da inocência no âmbito das garantias de defesa em processo criminal, estabelecendo, no n.º 2 do artigo 32.º, que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)». O Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente que não existe um paralelismo automático entre os institutos e regimes próprios do processo penal e do processo contraordenacional, não sendo, por conseguinte, diretamente aplicáveis a este todos os princípios constitucionais próprios do processo criminal. Como ainda recentemente se afirmou no Acórdão n.º 373/15, no ponto 1 da Fundamentação, o «conteúdo das garantias processuais é diferenciado, consoante o domínio do direito punitivo em que se situe a sua aplicação. (…) no âmbito contraordenacional, atendendo à diferente natureza do ilícito de mera ordenação e à sua menor resso- nância ética, em comparação com o ilícito criminal, é menor o peso do regime garantístico, pelo que as garantias constitucionais previstas para os ilícitos de natureza criminal não são necessariamente aplicáveis aos ilícitos con- traordenacionais ou a outros ilícitos no âmbito de direito sancionatório (cfr., neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos n. os 158/92, 50/99, 33/02, 659/06, 99/09 e 135/09)». De outro lado, o Tribunal tem também sublinhado que a inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contraordenacional e processo criminal não invalida «a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contraordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matérias de processo penal» (Acórdão n.º 469/97, ponto 5, retomado no Acórdão n.º 278/99, ponto II. 2.).» A questão decisiva que cabe agora responder é se a compressão do direito à presunção de inocência que resulta do regime consagrado nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, é um meio excessivo para atingir os fins que através dele se prosseguem, nomeadamente a garantia do cumprimento das sanções e a dissuasão do recurso aos tribunais com intuito dilatório, fins esses que, por seu lado, se reconduzem aos interesses públi- cos associados à regulação eficaz dos mercados energéticos. Em suma, trata-se de saber se a solução adotada pelo legislador respeita os limites impostos pelo princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). 15. O princípio da proibição do excesso incide sobre medidas legislativas não liminarmente interditadas pela Constituição, e que prosseguem finalidades legítimas através de meios restritivos: finalidades legítimas, no sentido em que não são constitucionalmente proscritas; meios restritivos, porque implicam a ablação de direitos ou interesses fundamentais. É precisamente esse o caso do regime consagrado nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, que se destina a promover fins de interesse público constitucionalmente legítimos, através de um meio lesivo do direito à presunção de inocência dos arguidos em processo contraordenacional. Como reconhece, há muito, a jurisprudência constitucional (vide, por todos, o Acórdão n.º 187/01), o princípio da proibição do excesso analisa-se em três subprincípios: idoneidade, exigibilidade e propor- cionalidade. O subprincípio da idoneidade determina que o meio restritivo escolhido pelo legislador não pode ser inadequado ou inepto para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício frívolo de valor constitucional. O subprincípio da exigibilidade determina que o meio escolhido pelo legislador não pode ser mais restritivo do que o indispensável para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício desnecessário de valor constitucional. Finalmente, o subprincípio da proporcionalidade determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justifi- car o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que importem um sacrifício líquido de valor constitucional. É pacífica na jurisprudência constitucional, e não é sindicada pela decisão recorrida, a proposição de que a medida sob escrutínio é um meio idóneo à prossecução do interesse público na garantia do cumprimento das sanções e na dissuasão do recurso aos tribunais com intuito dilatório (vide os Acórdãos n. os 376/16, 674/16 e 675/16). De resto, sempre que as finalidades de uma solução legal não sejam explicitadas pelo

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