TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

569 acórdão n.º 397/17 sanção aplicada, o sancionado é, na prática, obrigado a cumpri-la. Note-se o elevado nível de oneração imposto: não só é necessário demonstrar que a execução da decisão sancionatória causa “prejuízo considerável” como, para além disso, é necessário prestar uma caução em sua substituição – tendo como consequência a concretização do referido prejuízo. A norma sindicada cria, na verdade, um obstáculo ao efetivo direito de tutela contra atos lesivos da administração pública que, por incidir sobre os efeitos da impugnação de uma medida sancionatória, se reflete negativamente na presunção de inocência garantida ao arguido. Um tal regime implica, portanto, uma restrição do acesso à via judicial. Na verdade, a garantia de uma via judiciária de tutela efetiva implica não apenas que a impugnação judicial garanta ao arguido a possibilidade de ver reapreciados todos os fundamentos da decisão impugnada, mas também a possibilidade de evitar os seus efeitos.» Como afirma o Tribunal nas passagens transcritas, a regra do efeito meramente devolutivo da impugna- ção judicial das decisões sancionatórias não constitui qualquer restrição direta ao direito de acesso à justiça. Entende-se, porém, que ela implica uma restrição oblíqua, na medida em que impõe um ónus significativo – a demonstração de prejuízo considerável e a prestação de caução substitutiva –, para a suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Por outras palavras, a lei não interdita, mas condiciona, o acesso aos tribunais. Ora, tal argumento tende a obscurecer uma distinção pertinente entre ónus de acesso à justiça para impugnar a validade de uma decisão sancionatória e ónus de suspensão da execução da decisão sancionatória impugnada. Uma coisa é a lei criar obstáculos no acesso à justiça ou onerar o recurso à tutela jurisdicional; sendo da natureza do ónus a imposição de uma desvantagem ou um encargo como condição necessária da obtenção de uma vantagem ou de um benefício, um ónus de acesso ao direito importa que o sujeito sobre o qual impende tenha de incorrer num prejuízo – ou, pelo menos, preencher, por sua conta, determinada condição –, para poder realizar o seu interesse em provocar a intervenção judicial. A taxa de justiça inicial é o paradigma de um ónus de acesso ao direito, nesse sentido rigoroso e próprio, porque implica que o recurso aos tribunais está condicionado ao pagamento de uma quantia pecuniária. Coisa bem diversa é a lei, sem impor qualquer ónus especial para que o impugnante discuta em juízo a validade de uma decisão sancionatória, estabelecer um ónus para que essa impugnação tenha por efeito a suspensão da execução da sanção. Nesse caso, que é aquele a que diz respeito a solução legal sob escrutínio, não se onera o acesso aos tribunais para que estes apreciem a justeza da condenação proferida e da sanção aplicada no procedimento contraordenacional; o que se onera é a obtenção de uma vantagem normalmente associada à impugnação judicial das decisões sancionatórias da Administração no âmbito de procedimento contraordenacional, mas que com ela indubitavelmente se não confunde – a suspensão da execução da san- ção. Que tal ónus não diz respeito ao acesso à justiça, apenas aos seus efeitos imediatos na decisão recorrida, é o que o demonstra o facto de ele não impor qualquer condição no recurso aos tribunais ou onerar a decisão propriamente dita de recorrer aos tribunais, mas apenas a realização do interesse – conexo, mas diverso, do interesse em aceder à justiça –, de inibir a execução da sanção impugnada. Tanto é assim que se a decisão sancionatória não for impugnada, é certa a sua consolidação na ordem jurídica e consequente execução, pelo que não se pode afirmar que o efeito meramente devolutivo da impugnação judicial importe qualquer prejuízo adicional e específico para o impugnante, em matéria de acesso à justiça. 13. Nada no regime consagrado nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE restringe, pois, o direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito de acesso aos tribunais. Porém, pode ainda assim representar – como sublinha a decisão recorrida – uma ablação do mesmo direito na vertente da efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, do direito a que a procedência da impugna- ção importe a reintegração, restauração ou reconstituição da situação juridicamente devida – a eliminação de todos os efeitos de facto da decisão inválida –, por oposição ao mero consolo emocional da vitória em juízo e efeito mitigador da tutela secundária, ou por sucedâneo, do interesse lesado. Com efeito, a regra do efeito

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