TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
568 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o comércio transfronteiriço, de modo a assegurar ganhos de eficiência, preços competitivos e padrões de serviço mais elevados e a contribuir para a segurança do fornecimento e a sustentabilidade (…)». 11. É o intenso interesse público na eficácia da regulação dos mercados energéticos, decorrente da pre- mência das necessidades que satisfazem, da expressão económica da atividade que neles se desenvolve e da importância estratégica da política que lhes diz respeito, que explica a preocupação do legislador em garantir a efetividade das coimas aplicadas pela ERSE. A regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judi- cial, nos termos da qual esta não obsta à execução da sanção, tem por desideratos principais acautelar o cum- primento das sanções pelas entidades sancionadas e dissuadir o recurso aos tribunais com intuito dilatório. Resta saber se o meio de que o legislador se serve – a regra do efeito meramente devolutivo da impug- nação judicial de decisão sancionatória aplicativa de coima –, para prosseguir essas finalidades de interesse público, em si mesmas perfeitamente legítimas, é constitucionalmente censurável, designadamente por vio- lar direitos fundamentos dos recorrentes ou garantias constitucionais do arguido em processo sancionatório. Na decisão recorrida, entende-se ser esse o caso, em virtude, quer do direito à tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição), quer do princípio da presunção de inocência (artigos 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição), em ambos os casos conjugados com o princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). 12. Coloca-se, em primeiro lugar, a questão de saber se a solução legal sob escrutínio implica a compres- são do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado em termos gerais no artigo 20.º da Constituição, e concretizado, no âmbito da justiça administrativa, através do artigo 268.º, n.º 4. Para justificar o juízo de sentido positivo, escreveu-se no Acórdão n.º 675/16: «15. Como já acima ficou evidenciado, a norma em apreciação, resultante do artigo 84.º, n. os 4 e 5 da LdC, não nega o direito do arguido impugnar judicialmente a decisão administrativa contra si proferida. Limita-se a estabelecer como regra o efeito meramente devolutivo ao recurso, impondo determinadas condições para a atri- buição do efeito suspensivo. O princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva não impõe, porém, a regra do efeito suspensivo ao recurso, nem mesmo quando esteja em causa a impugnação contenciosa de atos administrativos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, pp. 417-418). A solução normativa encontrada insere-se, assim, na referida margem de que o legislador dispõe neste âmbito. Isto não significa que não haja exigências constitucionais a respeitar. No âmbito de um procedimento sancionatório, mais do que o direito ao recurso, estritamente compreendido, firma-se um efetivo direito de ação por parte do arguido contra um ato da administração pública. Ora, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado constitucionalmente, pressupõe a garantia da via judiciária, que implica que sejam outorgados ao interessado os meios ou instrumentos processuais adequados para fazer valer em juízo, de forma efetiva, o seu direito. Uma das dimensões em que se concretiza a garantia da via judiciária é justamente o direito de acesso, sem constrangimentos substanciais, ao órgão jurisdicional para ver dirimido um litígio A norma objeto do processo estabelece que só pode ser atribuído efeito suspensivo à impugnação de deci- sões que apliquem coima quando a sua execução cause “prejuízo considerável” ao visado e este preste caução. O ónus imposto ao recorrente pela norma sindicada reporta-se tão-somente ao efeito do recurso. No entanto, por sua causa, o recurso à via judicial para impugnar a decisão administrativa só consegue impedir a imediata execução da sanção administrativa visada pela impugnação, provado que seja o “prejuízo considerável” que a sua execução causa, mediante a prestação de uma caução que substitua o pagamento da coima. Desta forma, a norma condiciona o efeito útil imediato da impugnação a um ónus que, afinal, se concretiza no cumprimento de uma prestação que equivale ao cumprimento da coima. Daqui resulta que, de facto, antes de contestar judicialmente a
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