TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

562 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XXVI. A opção legislativa concernente ao efeito do recurso de impugnação da decisões finais condenatórias da ERSE decorreu no exercício da liberdade de conformação legislativa, visando conferir uma maior eficácia às decisões sancionatórias – da ERSE e das restantes autoridades administravas com normas semelhantes nos seus regimes próprios – dissuadindo comportamentos processuais dilatórios e infundados no âmbito de um setor regulado e estratégico. XXVII. Não raras vezes, as empresas visadas pelos processos contraordenacionais, para mais com a capacidade que tipicamente envergam no setor energético, conseguem arrastar os processos com um intuito meramente dilatório, alvitando delongas processuais totalmente infundadas e que geram dificuldades acrescidas ao prosseguimento dos processo e, consequentemente, à garantia da regularidade num setor de indústrias de rede (necessariamente interoperativo) que é, em boa medida, network dependent. XXVIII. De resto, não se duvide que as empresas do setor energético alguma vez deixariam de exercer cabalmente os seus direitos, quando cientes de que os mesmos poderiam estar a ser postos em causa, pelo facto de terem de cumprir com um ónus que consista na prestação de uma mera garantia. XXIX. A opção legislativa tomada, à luz das regras de experiência, encontrou eco na proteção dos bens jurídicos que a regulação do setor energético pretende salvaguardar, também estes com assento constitucional: o arti- go 81.º, als. f ) e i) da CRP prevê como incumbências prioritárias do Estado o funcionamento eficiente dos mercados e, nesse contexto, designadamente, a repressão de práticas lesivas do interesse geral, bem como a garantia da defesa dos interesses e dos direitos dos consumidores. XXX. Também as Diretivas comunitárias 2009/72/CE (artigo 37.º, n. os 13 e 1, al. n) e 2009/73/CE [artigo 41.º, n. os 13 e 1, al. o) ] preveem que “Os Estados-Membros devem criar mecanismos adequados e eficazes de regulação, supervisão e transparência que permitam evitar abusos de posição dominante, especialmente em detrimento dos consumidores, bem como comportamentos predatórios”, determinando que cabe às entidades reguladoras contribuir para garantir que as medidas de proteção dos consumidores são eficazes e cumpridas. XXXI. Nestes termos, a regulação dos setores da eletricidade e do gás natural pela ERSE, através do exercício das suas atribuições de natureza regulamentar, de regulação e supervisão, consultiva, sancionatória e de arbitra- gem, visa “promover a eficiência e a racionalidade das atividades dos setores regulados, em termos objetivos, transparentes, não discriminatórios e concorrenciais através da sua contínua supervisão e acompanhamento, integrados nos objetivos do mercado interno e dos mercados ibéricos, da eletricidade e do gás natural”, cabendo-lhe em especial “Proteger os direitos e os interesses dos consumidores, em particular dos clientes finais economicamente vulneráveis” (Cf. artigos 1.º, 2.º, 3.º e 8.º dos Estatutos da ERSE). XXXII. O legislador ordinário está legitimamente munido de uma ampla credencial para conformar o quadro jurí- dico dos setores sujeitos à regulação, nomeadamente quando está em causa serviços de interesse económico geral, bem como para a instituição de um regime sancionatório – substantivo e processual – aplicável no âmbito desses setores, como é manifestamente o caso do setor da energia. XXXIII. Importa atender que, visando a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, a ERSE se encontra subordinada, no exercício das suas atribuições, aos princípios fundamentais que regem a atividade das entidades administrativas, a saber: igualdade, proporcio- nalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé (artigo 266.º da CRP). XXXIV. Em particular no que respeita ao domínio sancionatório, a ERSE aplica a infrações tipificadas sanções legal- mente previstas e após a instauração de um processo administrativo cuja conformação legal visa assegurar ao visado o direito de audição e de defesa (artigo 32.º, n.º 10 da CRP). XXXV. No âmbito desse procedimento sancionatório, o direito do visado ao recurso implica o acesso ao tribunal, à via judiciária, por forma a agir contra a decisão administrativa condenatória (artigo 20.º, n.º 5 da CRP, princípio da tutela jurisdicional efetiva). XXXVI. As normas do RSSE em apreciação não negam esse direito do visado impugnar judicialmente a decisão administrativa contra si proferida. Limitam-se a estabelecer como regra o efeito meramente devolutivo desse recurso, prevendo que o efeito suspensivo do recurso esteja condicionado (i) aos recursos de decisões que

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