TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
56 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL todo o procedimento tributário, a AF deveria ter aceite a ilisão da referida presunção resultante da imputação à Impugnante, nos termos do n.º 2 do art. 44.º do CIRS, da quantia de 350 790 € como sendo o valor para efeitos de realização da mais-valia. Refira-se também que nesta parte não vale o argumento segundo o qual a Impugnante deveria ter requerido uma segunda avaliação do prédio em questão. O facto do CIMI ter este mecanismo que os contribuintes podem lançar mão, não invalida que a interpretação que AF faz do n.º 2 do art. 44.º do CIRS seja ilegal. Porque em bom rigor, o valor patrimonial do imóvel até pode estar bem calculado. Quer isso dizer que a legalidade do procedi- mento de avaliação do imóvel não impede que o preço da venda seja inferior ao preço do valor patrimonial (e nos tempos hodiernos, tal situação é cada vez mais frequente). Por outro lado, também não se pode aceitar que a única forma de “ilidir” uma presunção na liquidação do IRS, seja obrigar o contribuinte, num momento que pode não coincidir com a liquidação, em reagir contra o valor da avaliação do imóvel que já não é da sua propriedade. Basta pensar que no caso concreto, a 2.ª avaliação efectuada pela Administração Fiscal foi realizada após a alineação do imóvel. Retomando o caso dos autos, verificamos que a Impugnante acabou por ser tributada em sede de IRS por um rendimento que nunca auferiu. E aqui, voltamos a relembrar a essência do CIRS. A noção de rendimento para efeitos do CIRS é essencialmente económica e das várias teorias, o legislador adoptou para o IRS a teoria do rendimento-acréscimo. Esta noção de rendimento-acréscimo forma, pois, a base do conceito do rendimento do CIRS. E sendo assim, a regra geral é que havendo um acréscimo patrimonial na esfera jurídica do sujeito alienante, em virtude da venda dum determinado bem por um valor superior àquele pelo qual fui adquirido, tributa-se este acréscimo na esteira do princípio da capacidade contributiva no qual o nosso sistema fiscal assenta. Porém, de acordo com este princípio, se a Impugnante apenas consegue alienar o imóvel por um valor inferior ao valor patrimonial, não há o acréscimo patrimonial que a AF entende que tenha ocorrido, e consequentemente o valor para efeitos de tributação em sede de IRS é inferior, ainda que da avaliação para efeitos do IMT resulte um valor superior. Chegados aqui, importa recordar que o art. 277.º da Lei Fundamental dispõe que são inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Construção ou os princípios nela consignados. E no que respeita às leis fiscais, concretamente às normas de liquidação e de determinação da matéria colectável, apesar de não figurarem no n.º 2 do art. 103.º da CRP quanto à garantia substantiva de reserva de lei, têm de se haver inequivocamente como nela abrangidas, Sendo assim, qualquer presunção inilidível consagrada no CIRS, especialmente em sede de determinação da matéria colectável, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, e das presunções jure et de jure das normas de incidência tributária. Com efeito, a existência de uma presunção inilidível pode resultar na tributação de um sujeito passivo sem capacidade contributiva, criando-se uma desigualdade injustificada entre os contribuintes tributados ao seu abrigo e os restantes contribuintes. Ou seja, defender no caso dos autos que o n.º 2 do art. 44.º do CIRS consagra uma presunção absoluta, viola o princípio da capacidade contributiva, porque a Impugnante deve ter sempre a possibilidade, em sede de impug- nação da liquidação do IRS, de contrariar um facto presumido. O n.º 2 do art. 44.º do CIRS só pode ser interpretado no sentido de que aqui o legislador estabeleceu uma presunção sobre o valor de realização do imóvel, que cede perante prova em contrário. Pelo exposto, decide-se, nos termos do disposto no art. 204.º da Constituição da República Portuguesa, recusar a aplicação do n.º 2 do art. 44.º do CIRS no caso dos autos, com fundamento na sua inconstitucionalidade mate- rial por violação dos arts. 103.º, n.º 2, 165.º, n.º l, alínea i) da CRP. E tendo o acto de liquidação impugnado apoio nesta norma legal, o mesmo tem de ser anulado com funda- mento em violação de lei constitucional, quedando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos nos termos do artigo 608.º n.º 2 do CPC, ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT.
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