TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
559 acórdão n.º 397/17 Admite-se que neste aresto estava em causa uma situação diferente e mais flagrante do que a solução normativa em análise. Contudo, retiram-se do mesmo duas asserções úteis para o caso, designadamente que a garantia cons- titucional da presunção de inocência prevista no art. 32.º/2, da CRP, se aplica, por maioria de razão, também ao processo de contraordenação (…) e que a mesma toma ilegítima manifestamente a imposição de qualquer ónus ou a restrição de direitos ao arguido, que representem a antecipação da condenação. Quanto a esta asserção, citam-se, no acórdão, palavras de Mário Torres, que se reproduzem pela sua clareza e impressividade: [a] sujeição do arguido a uma medida que tenha a mesma natureza de uma pena e que se funde num juízo de probabilidade de futura con- denação viola intoleravelmente a presunção de inocência que lhe é constitucionalmente garantida até à sentença definitiva, pois tal antecipação de pena basear-se-á justamente numa presunção de culpabilidade. É porque se julga o arguido culpado antes de a sua culpa ser firmada em sentença transitada – que se lhe aplicam antecipadamente verdadeiras penas (eventualmente a descontar na pena definitiva). É certo que, tal como se salienta no acórdão do TC n.º 376/16, as sanções aplicáveis no âmbito do ilícito de mera ordenação social não interferem na esfera pessoal do arguido com a mesma intensidade e expressividade que se verifica em relação às sanções criminais. Contudo, se esta diferença justifica que não seja defensável, em geral, uma transposição automática e integral das garantias do processo criminal para o processo de contraordenação, considera-se que não é fundamento para se afastar a aplicação do princípio da presunção de inocência, com o âmbito referido, da fase de impugnação judicial do processo de contraordenação quando se reconhece que, nesta fase e face ao referido incremento do risco de erro e decisões injustas, o poder de aplicação da sanção é transferido para o Tribunal. Conclui-se, assim, que os normativos em causa são materialmente inconstitucionais porquanto violam o direito à tutela jurisdicional efetiva, a presunção de inocência e o princípio da proporcionalidade, consagrados nos arts. 20.º/5, 32.º/2 e 18.º/2, todos da CRP, respetivamente. A sua desaplicação conduz à insusceptibilidade de execução imediata das sanções ou à prestação de qualquer caução, porquanto é esse o efeito decorrente da atribuição à decisão administrativa de um valor meramente enun- ciativo (cfr. art. 62.º/1, do RGCO), como é o caso.» 3. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para este Tribunal, com vista à apreciação da cons- titucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada. 4. Também a ERSE interpôs recurso de constitucionalidade, com idêntico objeto. 5. O Ministério Público produziu alegações, que concluiu do seguinte modo: «1.º – A norma extraída do artigo 46.º, n. os 4 e 5 do Regime Sancionatório do Setor Elétrico (RSSE), aprovado pela Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro, segundo o qual a impugnação interposta de decisões da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos que apliquem coimas, tem, em regra, efeito devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução, não viola o direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n.º 1 e 5 da Constituição), nem o princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição), nem o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), não sendo, por isso, inconstitucional. 2.º – Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso.» 6. Também a ERSE alegou, apresentando as seguintes conclusões: «Do objeto do processo e do iter processual precedente 1. Em 12/01/2016, no âmbito do processo de Contraordenação n.º 1/2015, o Conselho de Administração da ERSE deliberou aplicar à A. uma coima de € 50 000 Cf. A declaração de voto de vencido ao Acórdão
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