TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

558 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tal restrição não decorre diretamente da Constituição, pelo que apenas será constitucionalmente conforme se, entre o mais, respeitar o princípio da proporcionalidade, previsto no art. 18.º/2, da CRP. O que não se verifica. Efetivamente, a solução adotada viola, de forma manifesta, o aludido princípio na vertente da necessidade. Recorde-se que o princípio da necessidade impõe que as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias (…). A razão pela qual se entende existir uma violação do princípio da necessidade remete-nos para a natureza e a finalidade dos normativos em análise. A propósito desta matéria, já se referiu que a solução adotada pelo legislador não é ditada por imperativos de satisfação de necessidades imediatas ou por razões pragmáticas de evitar a paralisação das atribuições da ERS. Na verdade, apenas se consegue vislumbrar na solução adotada pelo legislador um desiderato cautelar, ou seja, a pretensão de evitar ou diminuir o risco de incumprimento das sanções, quer devido a eventuais atos fraudulentos do próprio arguido ao interpor o recurso de impugnação judicial, visando propósitos dilatórios (desincentivando-o também de fazer uso deste meio processual para o efeito), quer em virtude de vicissitudes alheias à sua vontade e cuja probabilidade de ocorrência aumenta pelo simples decurso do tempo. É evidente que o legislador ordinário não está absolutamente impedido de adotar medidas cautelares restritivas de direitos fundamentais, existindo várias no nosso ordenamento jurídico, inclusive no próprio processo penal e mais restritivas do que a execução antecipada de coimas. Contudo, a particularidade da medida adotada pelo legislador nos normativos em análise é que não tem subja- cente um receio concreto, fundado ou casuisticamente apurado de incumprimento das sanções. Acresce ainda que, face à transferência do poder de decisão para o Tribunal, também não se pode presumir a existência de um fundado receio decorrente apenas e só da decisão administrativa. Por tais razões, a execução antecipada das sanções, assente em desideratos cautelares e sem uma aferição con- creta de um fundado receio de incumprimento, podendo ser eficaz, é demasiado gravosa. Efetivamente, o legisla- dor dispunha de meios menos gravosos para atingir as referidas finalidades cautelares, designadamente por via de medidas de garantia patrimonial, semelhantes à caução económica prevista no art. 227.º, do CPP e que assentam num fundado receio casuisticamente aferido. É ainda de sublinhar que a lei não prevê nenhuma forma de reparação em relação às coimas, designadamente por via de juros indemnizatórios, no caso de devolução da quantia paga caso o recurso de impugnação judicial venha a ser totalmente improcedente. Note-se ainda que está em causa o receio de incumprimento de uma sanção pecuniária, não sendo inerente ao juízo concreto de aplicação dessa sanção a aferição de um receio fundado de incumprimento. Por conseguinte, a solução adotada pelo legislador nos normativos em causa não é equiparável à exequibilidade imediata da sanção acessória prevista no RGICSF que o Tribunal Constitucional apreciou no acórdão n.º 41/04. Efetivamente, neste caso era inerente à decisão de aplicação da sanção (que se traduzia na inibição do exercício de cargos sociais e deter- minadas funções) a necessidade de execução imediata da mesma ou, por outras palavras, o próprio juízo concreto de aplicação da sanção acessória em causa suportava a necessidade da sua aplicação imediata a título cautelar. Impõe-se ainda acrescentar que a possibilidade de evitar o efeito devolutivo mediante a alegação de um prejuízo considerável e a prestação de caução não afasta as asserções precedentes. Com efeito, tal possibilidade não introduz nenhuma aferição em concreto do referido receio fundado de incumprimento, ou seja, não elimina a natureza abstrata da atribuição de efeito devolutivo como regra. Acresce ainda que o efeito suspensivo está condicionado à alegação e demonstração de um prejuízo considerável e sujeito sempre à prestação de caução. Note-se, que mesmo no domínio da fiscalização judicial dos atos administrativos da Administração Pública, que goza dos benefícios e privilégios já referidos, é possível a suspensão da eficácia do ato sem prestação de caução. Para além de violar o direito à tutela jurisdicional efetiva, entende-se que os aludidos preceitos também violam o princípio da presunção de inocência e, neste plano, toma-se como referência de análise o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/90.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=