TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

557 acórdão n.º 397/17 sancionatório, que contende com direitos fundamentais, e que, mercê, da atribuição de competência decisória, num primeiro momento, à Administração comporta, tal como sustenta Nuno Brandão, “um inevitável incremento do risco de erros e de decisões injustas” (…). Este incremento do risco deriva, conforme se extrai das palavras do mesmo Autor, de dois fatores. Assim, por um lado, o “afastamento da reserva judicial absoluta de jurisdição tem como consequência imediata a atribuição de pode- res de investigação e de decisão a autoridades administrativas que estão longe de oferecer as mesmas garantias de auto- nomia e de independência em relação ao poder executivo do que o Ministério Público e os juízes são portadores, que, além disso, são historicamente merecedores de uma muito maior confiança do que a administração na sua capacidade de atuar e decidir com objetividade, isenção e imparcialidade”. Por outro lado, o reconhecimento da competência da Administração, num primeiro nível e que pode ser o único, implica a supressão e limitação dos princípios e garantias constitucionais previstos para o processo penal (…). A derrogação do princípio do acusatório na fase organicamente administrativa é dos exemplos mais expressivos desta supressão e limitação dos referidos princípios. É certo que, tal como tem entendido o Tribunal Constitucional, a fase administrativa do processo contraorde- nacional pode assumir uma estrutura inquisitória típica, porquanto o princípio da estrutura acusatória do processo é restrito ao processo criminal, não sendo estendido a este outro tipo de processo sancionatório (acórdão do TC n.º 595/12) (…). Trata-se, por conseguinte, de uma solução que cabe na discricionariedade legislativa, mas que não decorre das garantias constitucionais relativas ao processo de contraordenação (acórdão do TC n.º 595/12). Contudo, aceita-se que seja assim porque, entre o mais, é garantida a impugnação [da decisão administrativa] em todos os seus aspetos lesivos, perante um tribunal independente e imparcial e com plena jurisdição, mediante um processo contraditório (acórdão do TC n.º 595/12). Neste sentido se pronunciou também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no acórdão Menarini Diagnostics S.r.1. v. Itália, de 27.09.2011 e no acórdão Grande Stevens v. Itália, de 04.03.2014. Conclui-se, assim, que, no âmbito de um processo de contraordenação com as especificidades assinaladas, a impugnação judicial da decisão administrativa perante um Tribunal independente e perante um Tribunal com ple- nos poderes de jurisdição, é garantia necessária e decisiva da posição do arguido. É exigida, na verdade, pelo direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20.º/5, da CRP. Ora, a plena jurisdição impõe que a decisão impugnada, por via da impugnação judicial, não fique sujeita a um mero controlo de fundamentação, como sucede nos recursos ordinários em processo penal, mas, conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque, a um genuíno reexame do caso (…), isto é, o objeto do controlo judicial não é a decisão administrativa, mas as questões subjacentes à decisão administrativa, que o Tribunal decide de novo e, se necessário, mediante a produção de novos meios de prova. O que significa também que, nos casos como o dos autos, em que é impugnada a própria culpabilidade, a decisão administrativa, no que respeita aos factos e ao seu enquadramento jurídico, adquire um valor meramente enunciativo, valendo apenas como imputação fática e legal, tal como resulta do art. 62.º/1, do RGCO. Efetivamente, nestes casos e fazendo uso das palavras do Tribu- nal Constitucional, no citado acórdão n.º 595/12, a impugnação, se respeitados os requisitos de forma e tempo, elimin[a] automaticamente o caráter definitivo ( hoc sensu , materialmente definidor da situação do particular) da decisão administrativa, porque a apresentação dos autos ao juiz vale como acusação, assim se convertendo em judicial o poder de aplicação da sanção (cfr. artigo 62.º do RGCO) (acórdão do TC n.º 595/12). Na mesma senda, refere-se, neste aresto do Tribunal Constitucional, o caráter “provisório” da decisão administrativa face à natureza da impugnação judicial, que consubstancia uma verdadeira “transferência da questão do domínio da administração para o juiz, no dizer do Bundesgerichtshof alemão” (na expressão de Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit. , p. 295). As asserções precedentes conduzem à conclusão de que é pressuposto e corolário desse controlo judicial pleno, imposto pela efetividade da tutela jurisdicional, decorrente de um incremento do risco de erro e de decisões injustas, que o poder de aplicação da sanção, no caso de impugnação judicial, seja transferido para o Tribunal. Consequentemente, os normativos em causa, ao obstarem a esse efeito, consubstanciam uma restrição do direito à tutela jurisdicional efetiva.

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