TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

556 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por conseguinte, não são transponíveis para este domínio os fundamentos que tradicionalmente são invocados para sustentar a executoriedade imediata dos atos administrativos da Administração Pública. Equivale isto a dizer que não existe qualquer fundamento para se reconhecer que as decisões proferidas pela ERSE em processos de contraordenação gozam do benefício de excussão prévia ou da presunção de legalidade que tradicionalmente são reconhecidos aos atos administrativos da Administração Pública. Não se vislumbram também razões de ordem pragmática suscetíveis de justificar a execução antecipada das sanções, uma vez que as mesmas não se destinam a satisfazer necessidades imediatas, nem há perigo de paralisação das atribuições da ERSE caso se aguarde pela definitividade da decisão. Consequentemente, é seguro afirmar-se que, pese embora a assinalada similitude de efeitos, a solução normativa em análise não pode ir buscar o seu fundamento à executoriedade imediata dos atos administrativos da Administração Pública. Quanto à possibilidade de tudo se reconduzir à questão dos efeitos do recurso e à liberdade de conformação que o legislador ordinário goza nesta matéria, é necessário ter em conta que o direito de impugnação judicial das decisões administrativas que aplicam coimas não é uma expressão do direito ao recurso dentro da hierarquia jurisdicional, mas sim do direito de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.º, da Constituição (…), uma vez que a impugnação judicial não incide sobre uma decisão judicial. Estamos, assim e tal como sustentam José Lobo Moutinho e Pedro Garcia Marques, perante um direito constitucionalmente consagrado como momento básico da defesa do arguido em processo de contraordenações e como contrapeso à atribuição de poderes sancionatórios à administração (…), ou seja, de um direito de ação. Nesta medida, não se podem chamar à colação, enquanto fun- damento, soluções normativas como as previstas nos artigos 408.º, n.º 2, al. a) , do CPP, e 647.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC) ou a específica configuração do direito ao recurso em processo penal, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição ou ainda a jurisprudência do TEDH que incide sobre casos em que estava em causa o direito ao recurso dentro da hierarquia jurisdicional, como é o aresto citado pela ERSE ( Garcia Manibarbo v. Espanha ). Em todo o caso, sempre se chama a atenção para a circunstância do efeito meramente devolutivo não se poder considerar a regra no domínio do direito sancionatório em relação às decisões de condenação. Efetivamente, não é esse o efeito dos recursos judiciais das decisões finais condenatórias proferidas em processo – crime (cfr. art. 408.º/1, al a) , do CPP) e, mais flagrante ainda, não é também esse o efeito dos recursos judiciais das decisões que, em processo civil, condenam numa multa ou cominam outra sanção processual [cfr. arts. 644.º/2, al e) e 647.º/3, al e) , ambos do CPC]. Reconduzido o direito de impugnação judicial das decisões administrativas que aplicam coimas ao artigo 20.º, da Constituição, impõe-se referir que o diploma fundamental não garante apenas o direito de acesso aos tribunais, mas também a efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, a tutela através dos tribunais deve ser efetiva (…). O princípio da efetividade, que está consagrado no n.º 5 do mesmo normativo constitucional, articula-se com uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e orga- nização e processo e garantia (…). Este princípio não pode, assim, ser alheio aos efeitos da tutela jurisdicional. Ora, a atribuição, como regra, de efeito devolutivo ao recurso de impugnação judicial significa que o arguido poderá ter de se sujeitar, pelo menos temporariamente, à execução voluntária ou coerciva da sanção, ou seja, à lesão do direito que pretende proteger, pelo que o recurso à impugnação judicial não evitará a lesão efetiva do direito, nem a sua plena reintegração. No acórdão do TC n.º 376/16, que analisou a norma similar prevista no NRJC e após se reconhecer o efeito exarado no parágrafo precedente, refere-se que não parece que se possa extrair do princípio da tutela jurisdicional efetiva, mesmo estando em causa a impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos dos direitos dos par- ticulares, a imposição constitucional da regra do efeito suspensivo (neste sentido, cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Volume I, 4. ª edição revista, págs. 417-418). Salvo o muito respeito que a decisão nos merece, não se concorda com esta asserção quando aplicada à impug- nação judicial do processo de contraordenação. É que tal como se referiu, não está em causa o direito ao duplo grau de jurisdição e sobretudo não está em causa a reação jurisdicional a uma qualquer decisão administrativa, mas a uma decisão proferida num processo

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=