TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

555 acórdão n.º 397/17 «O artigo 46.º, n. os 4 e 5, do Regime Sancionatório do Setor Elétrico (RSSE), aprovado pela Lei n.º 9/2013, de 28.01, estipula que o recurso de impugnação judicial de decisões proferidas pela ERSE que apliquem coimas tem efeito devolutivo, podendo o visado requerer, ao interpor o recurso, que o mesmo tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução em substituição, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação de caução no prazo fixado pelo tribunal. Por despacho com a ref.ª 130317, de fl. 656, os sujeitos processuais intervenientes foram notificados para, querendo, se pronunciarem sobre a inconstitucionalidade material do artigo 46.º, n. os 4 e 5, do RSSE. Na sequência deste convite, o Ministério Público declarou não antever qualquer inconstitucionalidade (ref.ª  31009, fls. 663). Por sua vez, a ERSE alegou que a norma não é materialmente inconstitucional, invocando os seguintes argu- mentos: a opção do legislador segue de perto a prevista noutros regimes contraordenacionais; em processo criminal, nos termos previstos no artigo 408.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), os recursos interpostos de decisões judiciais que condenem no pagamento de quaisquer importâncias, apenas suspendem os efeitos da decisão recor- rida se o recorrente depositar o seu valor, sem que tal tenha sido julgado inconstitucional, acrescentando, citando Paulo Pinto de Albuquerque e o acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no caso Garcia Manibarbo v. Espanha , que tal condicionamento não viola o direito de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição e artigo 6.º § 1.º, da CEDH; o Supremo Tribunal Administrativo, relativamente ao artigo 84.º, do RGIT, pronunciou-se no sentido da norma não ser em abstrato inconstitucional e que só eventualmente num caso concreto em que se discuta a dificuldade ou onerosidade da prestação de garantia poderá o tribunal ser confrontado com a necessidade de formular tal juízo; estando em causa decisões judiciais mas de autoridades administrativas, como resulta do caso apreciado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 41/04, o efeito mera- mente devolutivo também não tem necessariamente de ser inconstitucional; não se pode dizer de forma universal que, quando impugnadas, as decisões sancionatórias proferidas por autoridades administrativas tenham de passar a ter um valor meramente enunciativo; sobre a questão em análise pronunciou – se o Tribunal da Relação de Évora que, em acórdão de 11.07.2013, relativamente ao artigo 35.º, da Lei n.º 107/2009, de 14.09, declarou a norma não inconstitucional; por fim, a prestação de uma caução, no caso concreto, não seria violadora do princípio da proporcionalidade. A recorrente também se pronunciou sobre a questão, sustentando que a norma é ostensivamente inconstitucio- nal, quer por violação do princípio da presunção de inocência, quer por violação do direito de acesso aos Tribunais (ref.ª 21677, fls. 696 e 697). Concorda-se com a recorrente. Vejamos. Nos preceitos em causa e bem assim noutros similares, como o artigo 84.º/4 e 5, do Novo Regime Jurí- dico da Concorrência, artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde, aprovados pelo DL n.º 126/2014, de 22.08, e artigo 35.º do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segu- rança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14.09, o legislador, a coberto da fixação dos efeitos do recurso, veio admitir, na verdade e como regra, a execução antecipada das coimas aplicadas pela ERSE num processo de contraordenação, antes das mesmas se tornarem definitivas. Uma solução aparentemente similar à executoriedade imediata dos atos administrativos da Administração Pública. Sucede que essa aproximação ignora a natureza distinta da fiscalização jurisdicional em causa, designadamente que não se trata de um controlo de mera legalidade, de natureza puramente administrativa, no quadro nacional, mas de um sistema jurisdicional, de plena jurisdição e de índole para-penal, atenta a gravidade das sanções e as suas finalidades punitivas e preventivas, que podem mesmo incluir a responsabilização de pessoas singulares. Em coerência, são subsidiariamente aplicáveis aos processos [de contraordenação] as regras e princípios de direito penal e processual penal (…) – cfr. artigos 32.º, e 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) e 45.º, do RSSE.

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