TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

553 acórdão n.º 397/17 VIII– Embora pareça difícil negar que a (possibilidade de) execução imediata de uma sanção baseada numa condenação administrativa com a qual o visado se não conforma, e que pretende discutir em juízo, atinge o direito à presunção de inocência, permitindo que o arguido apenas provisoriamente con- denado seja sujeito a um tratamento idêntico ao de arguido cuja condenação é definitiva, – ainda que a extensão das garantias em processo criminal ao domínio contraordenacional não obste a que os interesses por elas salvaguardados sejam graduados na proporção da (menor) intensidade ablativa das sanções nesse domínio e que, em consonância com esse facto, nele se reconheça uma liberdade de conformação legislativa significativamente mais ampla –, a questão decisiva é se a compressão do direito à presunção de inocência que resulta do regime sob apreciação, é um meio excessivo para atin- gir os fins que através dele se prosseguem, nomeadamente a garantia do cumprimento das sanções e a dissuasão do recurso aos tribunais com intuito dilatório, fins esses que, por seu lado, se reconduzem aos interesses públicos associados à regulação eficaz dos mercados energéticos; em suma, trata-se de saber se a solução adotada pelo legislador respeita os limites impostos pelo princípio da proibição do excesso. IX – O princípio da proibição do excesso incide sobre medidas legislativas não liminarmente interditadas pela Constituição, e que prosseguem finalidades legítimas através de meios restritivos – sendo preci- samente esse o caso do regime consagrado nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do Regime Sancionatório do Setor Energético (RSSE), que se destina a promover fins de interesse público constitucionalmente legítimos, através de um meio lesivo do direito à presunção de inocência dos arguidos em processo contraordenacional –, analisando-se em três subprincípios: idoneidade, exigibilidade e proporciona- lidade; a medida sob escrutínio é um meio idóneo à prossecução do interesse público na garantia do cumprimento das sanções e na dissuasão do recurso aos tribunais com intuito dilatório, incidindo a controvérsia sobre a exigibilidade e a proporcionalidade da medida. X – Embora o tribunal, no Acórdão n.º 675/16, tenha concluído pela desnecessidade da regra do efei- to meramente devolutivo da impugnação judicial da decisão sancionatória aplicativa de coima, há argumentos que parecem impor a conclusão contrária: por um lado, a admissibilidade da reformatio in pejus , consagrada no n.º 1 do artigo 50.º do RSSE, não pode ser vista como uma alternativa igual- mente eficaz e menos lesiva à regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial; por outro lado, o recurso a medidas de garantia patrimonial do cumprimento da sanção, pese embora apta a prosseguir as finalidades cautelares ou de garantia da não suspensão da execução da sanção, não per- mite decerto alcançar, pelo menos com a eficácia pretendida pelo legislador, o objetivo fundamental de dissuadir o recurso aos tribunais com intuito dilatório, pelo que é impossível concluir que a regra do efeito meramente devolutivo é inexigível. XI – Também em sentido divergente do decidido no Acórdão n.º 675/16, deve dar-se resposta negativa à questão de saber se a medida consagrada nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, viola o subprincípio da proporcionalidade; na verdade, o sacrifício da presunção de inocência, operado pela medida, tem um desvalor constitucional moderado ou ligeiro, por múltiplas razões cumulativas: as garantias de processo sancionatório – designadamente, o direito à presunção de inocência – não têm, no domínio contraordenacional, peso axiológico idêntico ao que têm no âmbito criminal, em virtude do diferente alcance ablativo das sanções cominadas e da diferente ressonância social das condenações proferidas; tal peso é menor ainda quando os visados não são pessoas singulares, mas sociedades comerciais, geral- mente (e é a medida em geral que aqui está em causa) com grandes volumes de negócios e capacidade financeira, sancionadas com coimas que refletem a sua situação económica, por factos praticados no

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