TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
552 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL validade de uma decisão sancionatória, estabelecer um ónus para que essa impugnação tenha por efeito a suspensão da execução da sanção; nesse caso, que é aquele a que diz respeito a solução legal sob escrutínio, não se onera o acesso aos tribunais para que estes apreciem a justeza da condenação proferida e da sanção aplicada no procedimento contraordenacional; o que se onera é a obtenção de uma vantagem normalmente associada à impugnação judicial das decisões sancionatórias da Admi- nistração no âmbito de procedimento contraordenacional, mas que com ela indubitavelmente se não confunde – a suspensão da execução da sanção. IV – Que tal ónus não diz respeito ao acesso à justiça, apenas aos seus efeitos imediatos na decisão recor- rida, é o que o demonstra o facto de ele não impor qualquer condição no recurso aos tribunais ou onerar a decisão propriamente dita de recorrer aos tribunais, mas apenas a realização do interesse – conexo, mas diverso, do interesse em aceder à justiça –, de inibir a execução da sanção impugnada; se a decisão sancionatória não for impugnada, é certa a sua consolidação na ordem jurídica e consequente execução, pelo que não se pode afirmar que o efeito meramente devolutivo da impugnação judicial importe qualquer prejuízo adicional e específico para o impugnante, em matéria de acesso à justiça. V – A regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial, tal como a lei a consagra, acautela, em princípio, o mesmo direito na vertente da efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, do direito a que a procedência da impugnação importe a reintegração, restauração ou reconstituição da situação juridicamente devida – a eliminação de todos os efeitos de facto da decisão inválida –, fazendo-o por três formas principais. VI – Em primeiro lugar, limitando o âmbito de aplicação da regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial às decisões sancionatórias aplicativas de coima, a reconstituição da situação devida pode ser, na generalidade dos casos, eficazmente assegurada através da restituição da quantia paga pela entidade sancionada; em segundo lugar, a lei estabelece que a ERSE deve, na determi- nação da medida da coima, atender, inter alia , à situação económica do visado no processo, o que tenderá a evitar situações em que a execução da sanção cause prejuízos cuja reparação não se satis- faça com a eventual restituição da quantia paga; finalmente, a exceção à regra do efeito meramente devolutivo está prevista precisamente para os casos em que a execução da sanção cause à entidade sancionada prejuízo considerável, casos esses em que o pagamento imediato da coima obsta à efe- tividade da tutela jurisdicional que o visado procura assegurar através da impugnação da decisão sancionatória, e embora este esteja obrigado a prestar caução substitutiva, a função de garantia que esta deve preencher pode revestir formas diversas do depósito de dinheiro; a estes mecanismos de salvaguarda acresce a possibilidade residual de reparação de danos especiais e anormais da execução da sanção, através da cláusula geral da indemnização pelo sacrifício consagrada no Regime da Res- ponsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, pelo que é de concluir que a solução consagrada na norma sub iudicio não implica qualquer ablação do direito à efetivida- de da tutela jurisdicional. VII – Quanto ao confronto do regime sob apreciação com o princípio da presunção de inocência, não pode deixar de se dar uma resposta afirmativa à questão de saber se o direito do arguido a que seja presumi- do inocente até ao trânsito em julgado de sentença de condenação se estende aos processos contraor- denacionais, no sentido em que o visado deve ser presumido inocente até que a decisão condenatória da Administração se consolide na ordem jurídica ou, caso esta seja impugnada, até que transite em julgado sentença judicial que a confirme.
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