TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
548 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em todo o caso, sempre se dirá que, por mais generosa que seja a definição do subprincípio da idonei- dade, ao ponto de se entender que o observa qualquer medida legislativa que não seja absolutamente inepta, a solução legal sob escrutínio não passaria, em caso algum, os testes da exigibilidade e da proporcionalidade. O primeiro, na medida em que não se pode aceitar como boa a presunção do legislador de que apreciar a idoneidade para testemunhar de pessoas que padecem de anomalia psíquica ou a credibilidade dos depoi- mentos dessas pessoas, excede as capacidades normais do poder judicial, tendo em conta aquilo que se exige do juiz num regime, como aquele que a própria lei consagra, de livre apreciação da prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal). Ora, não se aceitando tal presunção, é claro que o fim visado pela medida – a exclusão de depoimentos com valor probatório negativo – pode ser adequadamente assegurado através de um regime de incapacidade relativa, nos termos do qual a idoneidade para depor de testemunha que padece de anomalia psíquica é julgada em cada caso, atentas a natureza e o grau da anomalia psíquica e a natureza e pertinência do respetivo depoimento. De resto, é precisamente esse o regime consagrado, por exemplo, quer para os menores, quer para as pessoas que padecem de anomalia psíquica sem que tenham sido declaradas interditas, quer ainda para os interditos por outra razão que não a anomalia psíquica (artigo 131.º, n.º 2, do Código de Processo Penal). O segundo, em virtude de que a modestíssima eficácia da medida na exclusão de depoimentos com valor probatório negativo não pode justificar o sacrifício de depoimentos com valor probatório positivo de interditos por anomalia psíquica, sobretudo quando se tate do próprio ofendido. Nas palavras do Acórdão n.º 359/11: «O simples benefício da maior certeza sobre qual o universo de pessoas consideradas incapazes de prestarem declarações em processo penal, devido a sofrerem de anomalia psíquica, que pode ser invocado em favor desta solu- ção, revela-se manifestamente desproporcionado como justificação para a adoção pelo legislador ordinário de um critério que discrimina os deficientes, por anomalia psíquica, interditos, dos demais cidadãos, incluindo as pessoas que sofrendo também de anomalia psíquica não se encontrem interditos. As razões para as discriminações admissíveis neste domínio devem residir numa incapacidade efetiva para o exercício concreto dos direitos em causa, e não numa incapacidade ficcionada a partir de um julgamento que apura da capacidade geral da pessoa para reger a sua pessoa e os seus bens, com a finalidade de facilitar uma definição de quem tem capacidade para depor. (…)». É certo que, não estando neste processo em causa um interesse probatório próprio do ofendido, em vir- tude do facto de este não ter exercido o seu direito a constituir-se assistente, a interdição do seu testemunho não atinge diretamente nenhum direito subjetivo. O interesse lesado pela norma é de natureza objetiva – o valor ou bem da integridade probatória do processo penal –, sem prejuízo de se repercutir indiretamente, quer na esfera de outros sujeitos processuais que não o acusador público, nomeadamente quando esteja em causa o direito à prova destes, exercido através de faculdade de arrolar testemunhas, quer, ainda que remo- tamente, na esfera dos cidadãos que gozam dos bens jurídicos objeto de tutela penal. É por essa razão – a natureza essencialmente objetiva dos valores constitucionais relevantes –, que a questão que aqui se coloca não diz apenas respeito ao depoimento das vítimas, mas ao de qualquer pessoa declarada interdita em razão de anomalia psíquica. Porém, desonerado da carga semântica subjetiva, devida à forma específica como a questão de constitucionalidade então se lhe colocou, crê-se que o juízo de proporcionalidade feito pelo Tri- bunal no Acórdão n.º 359/11 é integralmente aplicável nos presentes autos. Conclui-se, pois, que a norma objeto do presente recurso é inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), conjugado com o princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). 13. Tratando-se de recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não há lugar ao paga- mento de custas, nos termos do artigo 84.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=