TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

547 acórdão n.º 396/17 se decretar a interdição. Como diz Raúl Guichard “o juízo de incapacidade ou impossibilidade para governar a própria pessoa e bens aparece, segundo o ligame de interdependência estabelecido pelo legislador, como medida da relevância da anomalia psíquica” (no estudo cit., p. 152). E este juízo já não é médico, mas sim jurídico, nele se refletindo inevitavelmente a tensão entre proteção e liberdade. Na verdade, na determinação da situação de incapacidade de uma pessoa para se autodeterminar e reger os seus bens não deixará de pesar o posicionamento sobre a hierarquização daqueles valores. Em qualquer caso, a avaliação do grau de incapacidade do interditando é averiguada em termos estritamente individuais e deve ter como referência a qualidade dos seus interesses e a necessidade de a eles prover. E a incapacidade de atuar autonomamente, com esclarecimento, deve ser verificada não só na vertente patrimo- nial, mas também na vertente pessoal, pelo que interessarão todos os aspetos da vida do interditando que possam assumir expressão jurídica. Como se escreve no artigo 138.º, do Código Civil, o que está em causa é uma incapa- cidade de governar a sua pessoa e bens. Sendo múltiplos os aspetos da vida do interditando em que a incapacidade deve ser medida e tendo a decisão de interdição, na nossa ordem jurídica, efeitos fixos, previamente determinados na lei, o juízo que a ela preside é necessariamente global, nele assumindo uma maior influência aqueles domínios em que a incapacidade detetada pode prejudicar gravemente os interesses do interditando, pelos efeitos vinculativos dos atos que pratica, ou seja a área dos negócios jurídicos. Daí que o tratamento civilístico do incapaz no nosso Código Civil seja acusado, além do mais, de excessivamente negocialista. (…) Como acima se explicou, a declaração de interdição pressupõe apenas uma constatação judicial da incapacidade do interdito governar a sua pessoa e os seus bens, devido a uma anomalia psíquica, reportando-se esse juízo sobre- tudo a uma incapacidade daquele atuar com autonomia no mundo dos negócios jurídicos. Ora, a (in)capacidade para relatar determinada realidade com a qual se contactou, não só é frequentemente casuística, dependendo de múltiplos fatores como a sua complexidade, o tipo e as circunstâncias do contacto ou o tempo entretanto decorrido, sendo, no mínimo, problemática a emissão de um juízo genérico de incapacidade para testemunhar, como, sobretudo, o juízo que presidiu à prolação de uma sentença de interdição é inaproveitável para se determinar a aptidão do interdito para prestar um depoimento credível em processo penal. Estamos perante um domínio das capacidades humanas que não assume qualquer relevância nos pressupostos da declaração de interdição, pelo que esta pouco ou nada revelará sobre a capacidade do interdito depor em tri- bunal.» O que daqui se retira é que a incapacidade absoluta dos interditos por anomalia psíquica de testemu- nharem em juízo não é um meio apto a eliminar a valoração de depoimentos sem valor probatório; não o é, porque não está assegurada a coincidência substancial entre os dois universos, o dos sujeitos abrangidos pela incapacidade e a daqueles que através dela se pretende atingir. Está claro que a divergência entre estes universos não é integral, e que, em virtude desse facto, não se pode afirmar que a medida é absolutamente inepta. Porém, basta que não seja essencialmente apta a atingir a finalidade a que se destina, para que seja considerada excessiva. Nenhuma lesão de um bem digno de tutela se pode justificar por um fim que, através dela, apenas acidentalmente se materializa. 12. A verificação da ineptidão ou inidoneidade da medida é suficiente para que a mesma seja excessiva e, consequentemente, inconstitucional. Por essa razão, não se justifica aplicar os restantes «testes» da proibição do excesso, os quais são cumulativamente exigíveis, no duplo sentido em se exige que uma medida legislativa não reprove em nenhum deles e em que, por necessidade lógica, todas as medidas que reprovam num teste precedente reprovam nos testes subsequentes – ou seja, uma medida inepta é, por implicação, desnecessária e desproporcional.

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