TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
546 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL positivo – uma implicação necessária de um regime de incapacidade absoluta. Os benefícios e os sacrifícios da medida incidem, pois, sobre o mesmo bem, o da integridade probatória do processo penal. 10. Não é comum os problemas de colisão de direitos ou de ponderação de bens com os quais a justiça constitucional é confrontada revestirem esta forma, por assim dizer, intra-axiológica; habitualmente, esses problemas dizem respeito à lesão de um bem com vista à promoção ou tutela de um bem diverso, pelo que revestem uma forma interaxiológica. E pode parecer que, nestes casos, o controlo da proporcionalidade da medida legislativa é impossível, porque não havendo qualquer colisão de direitos ou bens, não há lugar a qualquer ponderação. A bem ver, porém, a questão não se distingue substancialmente de outras típicas em que o Tribunal Constitucional é chamado a aplicar o princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). Este diz respeito, não à ponderação de bens em sentido estrito – à questão de saber se um determinado bem prevalece sobre outro –, mas ao controlo da proporcionalidade entre o fim valioso prosseguido pela medida legislativa e o meio sacrificial por ela imposto. Como reconhece, há muito, a jurisprudência constitucional (vide, por todos, o Acórdão n.º 187/01), o princípio da proibição do excesso analisa-se em três subprincípios: idoneidade, exigibilidade e proporciona- lidade. O subprincípio da idoneidade determina que o meio restritivo escolhido pelo legislador não pode ser inadequado ou inepto para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício frí- volo de valor constitucional. O subprincípio da exigilidade ou necessidade determina que o meio escolhido pelo legislador não pode ser mais restritivo do que o indispensável para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício desnecessário de valor constitucional. Finalmente, o subprincípio da proporcionalidade determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justifi- car o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que importem um sacrifício líquido de valor constitucional. Ora, nos casos em que o fim e o meio incidem sobre o mesmo bem, a questão que se coloca é a de saber se o meio lesivo é inepto, inexigível e desproporcionado para atingir o fim valioso. No caso vertente, trata- -se de determinar se o sacrifício de depoimentos com valor probatório positivo de interditos por anomalia psíquica é um meio excessivo – por inepto, inexigível ou desproporcionado – para atingir a finalidade de excluir depoimentos com valor probatório negativo, em virtude da falta de idoneidade da testemunha ou de credibilidade do depoimento. 11. A aptidão da medida parece assegurada pela aparente convergência entre o pressuposto da interdição – a anomalia psíquica – e a inidoneidade para testemunhar. Como se afirmou no Acórdão n.º 359/11: «[n]a lógica da solução adotada, uma declaração judicial de interdição traduz um juízo seguro sobre a incapacidade do interdito em poder contribuir de algum modo para o esclarecimento da verdade dos factos em tribunal, pelo que este não deve sequer ser admitido a prestar depoimento, não se permitindo que o julgador possa verificar, casuisticamente, a sua aptidão mental para depor, a fim de avaliar da sua credibilidade.» Sucede que, como se demonstra no citado aresto, essa convergência não é real, porque o juízo em que se baseia a decisão de declarar a interdição tem fundamentos – a incapacidade do visado de reger a sua pessoa e bens –, e finalidades – a tutela dos interesses do próprio visado –, muito diversos das que presidem ao juízo relativo à idoneidade para testemunhar. «Conforme resulta do regime exposto, os interditos por anomalia psíquica são aqueles em que, num processo judicial específico de interdição, se concluiu que sofriam de uma patologia psíquica, com caráter permanente, que os incapacita de minimamente regerem a sua pessoa e os seus bens. (…) Mas a existência de uma anomalia psíquica só é motivo de interdição se for causa de uma incapacidade para prover aos interesses pessoais, funcionando este último requisito como o padrão de avaliação da necessidade de
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