TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

540 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Voto o Acórdão, pelo facto de ter aderido uma orientação constante no Tribunal Constitucional. Con- tudo, julgo que a matéria carece de mais reflexão e debate, pois não considero tão evidente como a juris- prudência constitucional tem entendido que as leis interpretativas, em matéria fiscal, estejam proibidas pelo princípio da proibição da retroatividade, ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP. Aceito a posição de Baptista Machado, segundo a qual as leis interpretativas não são substancialmente retroativas, visto que, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, a lei interpretativa integra-se na lei inter- pretada (ressalvando-se, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença pas- sada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de natureza análoga). Para o efeito, deve distinguir-se entre leis verdadeiramente interpretativas e leis inovadoras, considerando que as primeiras, nos casos em que se limitam a atribuir à lei interpretada um sentido que ela já comportava antes da entrada em vigor da lei interpretativa (sobretudo, se for o dominante na jurisprudência), não são retroativas e, por- tanto, podem aplicar-se a factos anteriores, sem violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal. Sendo assim, penso que o Tribunal Constitucional devia densificar a noção de controvérsia jurispruden- cial – sugerida no presente Acórdão – e usá-la como um critério para admitir a aplicação da lei interpretativa a factos anteriores à data do seu início de vigência, nomeadamente, em situações que, de acordo com regras de experiência, constituem evasão fiscal, e em relação às quais não se verifica qualquer expetativa do contri- buinte digna de tutela. Para se considerar que estamos perante uma controvérsia jurisprudencial não deve ser elemento decisivo a quantidade de acórdãos (critério estatístico) proferidos sobre o tema e aderindo a teses opostas, mas sim o conjunto de argumentos em debate e a sua compatibilidade com a lei interpretada. Contudo, conforme por mim enunciado, na declaração de voto aposta no Acórdão n.º 171/17 (processo n.º 550/16), o princípio da proibição da retroatividade, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, tem o sentido útil de constituir uma regra, tendencialmente absoluta, no domínio da proteção dos rendimentos dos trabalhadores por conta de outrem, os mais agredidos pelo Estado, em épocas de austeridade, e que, em geral, suportam uma carga fiscal superior àquela que incide sobre o rendimento das empresas, as quais, por seu lado, usam com sucesso a indeterminação ou a ambiguidade da lei para diminuir o volume de impostos a pagar. Este alcance do princípio da retroatividade fundamenta-se no direito dos trabalhadores à remuneração [artigo 59.º, n.º 1, alínea a) , da CRP], como um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garan- tias, que assume uma função alimentar e um objetivo de sustento dos trabalhadores e das suas famílias e de garantia da sobrevivência da própria sociedade humana. – Maria Clara Sottomayor. Anotação: 1 – Os Acórdãos n. o s 172/00, 128/09 e 617/12 estão publicados em Acórdãos, 46.º, 74.º e 85.º Vols., respetivamente. 2 – Os Acórdãos n. os 85/13 , 216/15 e 171/17 estão publicados em Acórdãos, 86.º, 92.º e 98.º Vols., respetivamente.

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