TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

536 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e no termo de um processo de partes com igualdade de armas –, refletem e alimentam a controvérsia propi- ciada pela ambiguidade da lei, é inevitável concluir que a questão jurídica é, no momento presente, incerta ou insanável; os destinatários desta não têm, nessas circunstâncias, qualquer razão para formarem expectati- vas na prevalência de uma das posições compreendidas nos «quadros da controvérsia», e não podem, por essa mesma razão, invocar a frustração das suas expectativas legítimas contra a decisão do legislador de interpretar a lei num dos sentidos já acolhidos em decisões judiciais. O mesmo se diga, por maioria de razão, nos casos em que a jurisprudência dominante for no sentido da solução consagrada pela lei interpretativa. Resta saber qual era, até à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado de 2016, o estado da jurisprudência sobre a questão de interpretação que se colocou nos presentes autos. No acórdão recorrido afirma-se (fls. 755) que «tem de se admitir a falta de clareza da solução [legal], como fica demonstrado com a jurisprudência arbitral divergente sobre esta matéria, designadamente os acór- dãos de 1 de setembro de 2014, proferido no processo n.º 239/2014-T e de 24 de abril de 2015, proferido no processo n.º 659/2014-T.» Há também uma referência (na nota de rodapé a fls. 756) a outro aresto arbitral de 12 de fevereiro de 2016, proferido no processo n.º 447/2015-T, que interpretou o artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, no sentido que veio a ser consagrado pelo legislador orçamental no n.º 20 do mesmo artigo. Todavia, o tribunal a quo considerou-o «não significativo» para efeitos de determinar a orientação da jurisprudência anterior à alteração legislativa, na medida em que «a tomada de posição que é efetuada neste acórdão arbitral é feita com conhecimento de que constava da proposta de Orçamento para 2016 futura norma do n.º 14 do artigo 88.º e a atribuição da natureza interpretativa, o que revela que não se chegou à interpretação apenas com base na legislação anterior…». A circunstância de a jurisprudência se encontrar dividida depõe a favor do entendimento de que os con- tribuintes não podiam excluir a interpretação que veio a ser consagrada pelo legislador. Porém, para que se verifique uma controvérsia jurisprudencial, não basta que recaiam sobre uma determinada questão de inter- pretação decisões divergentes; é necessário que exista um corpo desenvolvido de pronunciamentos judiciais (ou arbitrais) no seio do qual se estabeleceram correntes opostas e não reconciliadas dentro da ordem jurisdi- cional a que respeitem. Só na base desse lastro jurisprudencial estatisticamente significativo se pode dar por assegurada a evidência de que a questão jurídica é incerta ou insanável, pelo menos no momento presente. Ora, tal pressuposto não se pode dar como verificado no que diz respeito à questão de interpretação colocada nos presentes autos, pela circunstância de sobre ela terem incidido apenas duas decisões jurisdicionais. Por outro lado, não se pode atribuir qualquer relevância ao facto, invocado na decisão recorrida como «decisivo para concluir que os contribuintes deviam contar com a interpretação que veio a ser consagrada na norma interpretativa», e referido em termos idênticos nas alegações da recorrida, de que existe «uma Infor- mação Vinculativa proferida pela Autoridade Administrativa e Aduaneira datada de 30 de março de 2012, no sentido que esta defende no presente processo» (fls. 756-757). Embora as informações vinculativas da Auto- ridade Tributária e Aduaneira sejam publicadas, nem elas têm força de lei, nem correspondem senão à inter- pretação da lei feita por um dos seus destinatários – nem mais, nem menos, legítima do que a de qualquer outro; o mérito jurídico dessa interpretação, caso seja contrariada por um ou mais contribuintes, só pode ser apreciado e decidido pelos tribunais, enquanto órgãos especificamente incumbidos de exercer a autoridade jurisdicional. De resto, seria perverso que as interpretações da Administração Fiscal, por mais absurdas ou controversas que sejam, pudessem valer para afastar a legitimidade da expectativa dos contribuintes de que as leis fiscais venham a ser interpretadas de modo diferente pelos tribunais. Por tudo isto, é de concluir que o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem fixar o sentido do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, nos termos do n.º 20 desse artigo, é materialmente inconstitucio- nal, por violação da proibição da retroatividade fiscal, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Daí decorre ser inútil a apreciação da constitucionalidade material da mesma norma com base nos restantes parâmetros constitucionais invocados pela recorrente.

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