TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
535 acórdão n.º 395/17 não lesam quaisquer expectativas legítimas, na medida em que, impondo um dos sentidos possíveis e previ- síveis da lei interpretada, ou uma «interpretação declarativa» do preceito a que se referem, produzem conse- quências com as quais os contribuintes deviam contar. A primeira destas premissas não oferece quaisquer dúvidas. É discutível se a proibição constitucional da retroatividade fiscal consubstancia uma regra, tendencialmente absoluta, ou um princípio, aplicável sob reserva de ponderação com valores ou interesses constitucionais de sentido contrário (no primeiro sentido, largamente dominante na jurisprudência do Tribunal Constitucional, vide os Acórdãos n. os 128/09, 617/12 e 85/13; no segundo sentido, com várias declarações de voto exprimindo reservas nesse ponto, vide o Acór- dão n.º 171/17). Mas já não é de duvidar que a proibição da retroatividade fiscal tem como fundamento a tutela da confiança dos contribuintes, como tem sido reiteradamente afirmado na jurisprudência do Tribunal Constitucional. E daí resulta que as normas fiscais retroativas violam a proibição constitucional da retroati- vidade apenas nos casos em que frustrem as expectativas legítimas dos contribuintes, razão pela qual o artigo 103.º, n.º 3, não se aplica, por exemplo, às alterações da legislação fiscal que têm um impacto tributário positivo ou neutro. Muito mais difícil de aceitar, nos termos em que a acolhe, é a segunda premissa do argumento desenvol- vido na decisão recorrida – a de que as leis genuinamente interpretativas não lesam expectativas legítimas, na medida em que consagram um dos sentidos possíveis da lei interpretada. As interpretações legislativas, como vimos, têm a natureza própria do poder de que emanam: não se destinam a dizer ou descobrir o direito vertido na lei interpretada, atividade que pressupõe uma competência jurisdicional, mas a privilegiar o sentido que o legislador entende politicamente mais vantajoso. Sem dúvida que os cidadãos destinatários das leis, designadamente de leis com uma vocação ablativa, não devem ter qualquer expectativa de que estas sejam, ou possam vir a ser, interpretadas no sentido que lhes é mais favo- rável; não existe, nem sequer nos domínios penal ou fiscal, um qualquer «princípio da interpretação mais favorável» ao cidadão. Mas têm a expectativa legítima, na qualidade de destinatários da lei, de formarem uma convicção sobre o direito nela vertido e de agirem com base nessa convicção jurídica – assim como, na even- tualidade de se verificar um litígio, de recorrerem aos tribunais para que estes apreciem, no uso da autoridade jurisdicional que exclusivamente lhes cabe, e no âmbito de um processo de partes com igualdade de armas, o mérito jurídico do seu ponto de vista no caso concreto. Por outras palavras, os destinatários das leis têm a expectativa legítima de que estas sejam objeto de uma interpretação jurídica, porque é nesses exatos termos – enquanto sujeitos de direito – que aquelas se lhes dirigem. Ao consagrarem um sentido por razões de ordem política – constitutivas e não declarativas de direito –, as leis interpretativas frustram essa expectativa legítima dos cidadãos na juridicidade, adversariabilidade e justiciabilidade da sua relação com a lei. Não é outro, segundo se crê, o alcance das seguintes palavras que constam do Acórdão n.º 172/00, referidas pelo recorrente nas suas alegações: «[A] vinculação interpretativa que [as] leis [interpretativas] comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas e já aplicadas noutros casos (como acontece na situação presente) leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica.» Em termos gerais, pois, e ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, as leis interpretativas devem ter-se por abrangidas pela proibição constitucional da retroatividade em matéria fiscal. Só assim não será naqueles casos em que, tendo os tribunais sido chamados a pronunciarem-se sobre a interpretação a dar a leis ambíguas e controvertidas, se tenha a propósito delas estabelecido uma controvérsia jurisprudencial. Se os tribunais, aos quais cabe a autoridade de dizer o direito – através de decisões juridicamente fundamentadas
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