TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

534 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Esta divergência de fundamento entre interpretação legislativa e judicial traduz-se – e aqui reside o segundo aspeto da distinção – nos diversos processos através das quais uma e a outra são geradas. Na verdade, o processo judicial e o legislativo são estruturados em função da natureza do poder que através deles se exerce. Em virtude da sua natureza jurisdicional, a interpretação judicial é realizada por tribunais compostos por juízes independentes e com formação técnica específica, no âmbito de pedidos de pronúncia sobre questões concretas relativas às situações jurídicas das partes, e através de decisões fundamentadas proferidas a partir de uma posição de imparcialidade. Já a interpretação legislativa, cujo fundamento é a autoridade política do legislador, reveste a forma de ato legislativo aprovado por um órgão com legitimidade democrática para tomar decisões políticas; o titular por excelência desse poder é a Assembleia da República, em que as leis são elaboradas, discutidas e aprovadas pelos representantes eleitos pelo povo para decidirem os destinos da comunidade. O que de tudo isto resulta é que, por força do próprio postulado da distinção e separação entre auto- ridade legislativa e jurisdicional, traduzida na alteridade estrutural entre o processo legislativo e o judicial, as interpretações do legislador são por natureza constitutivas, porque o juízo que lhes subjaz é de ordem essencialmente política, ao passo que as interpretações dos tribunais são por natureza declarativas, porque se baseiam exclusivamente na sua competência jurídica. E daí segue-se que, por definição, as leis interpretativas, mas já não as interpretações judiciais, são retroativas. 9. O tribunal a quo não impugna o caráter retroativo das leis interpretativas, nomeadamente da norma do artigo 88.º, n.º 20, do CIRC. Porém, argumenta que as normas fiscais (genuinamente) interpretativas situam-se fora do âmbito de aplicação da proibição constitucional da retroatividade dos impostos, na medida em que a interpretação fixada pelo legislador, por corresponder a um dos sentidos possíveis da lei, não lesa a confiança legítima dos contribuintes. Vale a pena recordar o passo relevante da decisão recorrida: «A proibição constitucional de retroatividade das normas criadoras de obrigações fiscais que se retira do n.º 3 do artigo 103.º da CRP visa obstar a violações legislativas do princípio da segurança jurídica, nas suas vertentes de certeza na orientação das condutas dos contribuintes e de segurança dos efeitos criados por situações já ocorridas. Na esteira da lição de Batista Machado, deverá entender-se que nas situações em que a interpretação que é dada na lei nova vem fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas, pelo que não se verificam as razões que justificam a proibição da retroatividade. Como interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não se poderão considerar aquelas que extravasam, restritiva ou extensivamente, o seu teor literal, pelo menos enquanto não hou- ver posições doutrinais ou prática jurisprudencial que as adotem, mas incluem-se, seguramente, aquelas que são viáveis à face do texto legal anterior numa mera interpretação declarativa. Como se referiu já, o teor literal do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC permite, por mera interpretação declarativa, que tenha em mente o conceito de sujeito passivo alargado que resulta dos artigos 18.º, n.º 3, da LGT e 115.º do CIRC, corroborados pelo artigo 31.º, n.º 1 daquela Lei, atribuir a qualificação de sujeito passivo às sociedades dominantes dos grupos abrangidos pelo RETGS, pelo que a consideração dos prejuízos do grupo como facto determinante do agravamento da tributação autónoma tem de considerar-se como uma interpretação com que os contribuintes poderiam e deveriam contar anteriormente.» Este argumento apoia-se em duas premissas. Por um lado, entende-se que a proibição da retroatividade fiscal é uma refração ou concretização do princípio da proteção da confiança, pelo que não se estende aos casos em que as leis fiscais, ainda que retroativas, não lesam as expectativas legítimas que os contribuintes terão depositado na estabilidade do regime anterior. Por outro lado, considera-se que as leis interpretativas

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