TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

532 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Finalmente, é preceituado no n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil que: «1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cum- primento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza.» Recorde-se que a recorrente sindica a constitucionalidade, quer da atribuição de natureza interpretativa ao artigo 88.º, n.º 20, do CIRC – com a implicação de que o mesmo, «integrando-se na lei interpretada», é aplicável a factos tributários passados, quer do sentido atribuído por esse preceito ao artigo 88.º, n.º 14, do CIRC – nos termos do qual o prejuízo fiscal relevante, no caso de sociedades integradas em grupos de sociedades sujeitas ao RETGS, é o do grupo de sociedades, e não o da sociedade que realizou as despesas ou encargos sobre as quais incidem as tributações autónomas. 7. Comecemos por apreciar a primeira questão, a da constitucionalidade da norma que atribui natureza interpretativa ao disposto no artigo 88.º, n.º 20, do CIRC. A recorrente entende que a mesma é inconstitucional, por violação da proibição da retroatividade dos impostos (artigo 103.º, n.º 3, da Constituição) e, subsidiariamente, dos princípios do Estado de direito democrático (artigo 2.º), da separação e interdependência dos poderes (artigo 111.º, n.º 1) e da independên- cia dos tribunais (artigo 203.º). Alega, no essencial, que: (i) a norma do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC não é genuinamente interpre- tativa, pelo que, ao atribuir-lhe «natureza interpretativa», o legislador está a impor retroativamente novos encargos fiscais; (ii) ainda que a essa norma se reconheça natureza genuinamente interpretativa, as normas fiscais interpretativas, por se aplicarem a factos tributários passados, também violam a proibição constitucio- nal da retroatividade fiscal; e (iii) as normas interpretativas em geral, na medida em que visam alterar o «pas- sado normativo», restringindo a liberdade hermenêutica e judicativa dos juízes, põem em causa a autonomia funcional do poder judicial e a independência dos tribunais. Confrontado com o primeiro argumento, o de que a norma sob apreciação não é genuinamente inter- pretativa, entendeu o tribunal a quo que «não é de afastar a natureza interpretativa atribuída ao n.º 21 [trata- -se de um evidente lapso de escrita, devendo ler-se aqui uma referência ao n.º 20] do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.» Para justificar esta conclusão, o acórdão recorrido invoca duas razões: por um lado, a de que o sentido da lei era controvertido, como o demonstra não só a ambiguidade da letra como a existência de interpretações diversas na doutrina e na jurisprudência; por outro, a de que a norma interpretativa acolhe um dos sentidos possíveis do preceito, tendo em conta, quer o seu teor literal, quer «os quadros da controvérsia» que a respeito dela se estabeleceu na doutrina e na jurisprudência. Tal juízo é insindicável pelo Tribunal Constitucional, na medida em que se situa exclusivamente no plano do direito ordinário. A única questão constitucional que a propósito dele se coloca é a de saber se, como alega a recorrente, as normas fiscais genuinamente interpretativas – no sentido em que esse conceito é entendido na decisão recorrida –, na medida em que sejam ou possam ser desfavoráveis aos contribuintes, violam a proibição constitucional da retroatividade fiscal. Para responder a esta questão, é essencial determi- nar se as normas interpretativas são retroativas e, no caso de a conclusão ser afirmativa, se estão a coberto da previsão do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (CRP). 8. Ao contrário do que é válido para a lei em geral, que em princípio «só dispõe para o futuro» (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil), o artigo 13.º do Código Civil estabelece que «[a] lei interpretativa integra-se na lei interpretada», no sentido de que deve ser considerada como se fizesse parte da lei interpretada desde que esta entrou em vigor. Trata-se, evidentemente, de uma ficção temporal – a ficção de que um facto presente

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