TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

525 acórdão n.º 395/17 passado normativo, não lhe é constitucionalmente admitido que o altere ditando à função soberana de julgar como deve ser entendido esse passado normativo. D) Com efeito e em primeiro lugar, quer a recorrente lembrar que a proibição constitucional em causa não dis- tingue entre mais imposto aplicável ao passado por força de lei dita interpretativa, e mais imposto aplicável por força de lei que tal não se arrogue. E) E há razão para respeitar essa indiferenciação. Com efeito, se o legislador de hoje tem necessidade de aprovar nova lei que esclareça o que no seu entendimento foi querido pelo legislador que fez a lei do passado, é porque detetou o risco de este por si querido entendimento acerca do legislador no passado não ser partilhado quer pelos destinatários dessa lei antiga quer, sobretudo, pelos órgãos de soberania que têm por missão, e com independência do poder legislativo ou de qualquer outro, decidir o que diz a lei. F) Ora, se assim é a nova lei com pretensão de fixar o sentido do quadro jurídico anterior a ela, adita inevita- velmente nova juridicidade a esse quadro. Pode-se insistir em usar a terminologia de que o faz interpreta- tivamente, mas o que não se pode negar é que essa “interpretação” acrescenta ao que havia anteriormente, mesmo que se pudesse concluir que, ao contrário da interpretação oposta, é respeitadora dos limites (regras) da interpretação: escolhe uma opção interpretativa (que origina mais imposto, no caso) e exclui a outra, con- dicionando com isso, para mais, o imposto aplicável. Imposto este que, pretendendo-se aplicá-lo ao passado, viola a proibição constitucional de retroatividade. G) De ângulo equivalente: ao excluir a interpretação oposta da lei antiga por quem de direito (os tribunais, no limite) que não gerava esse imposto, origina a lei nova, necessariamente (e outro não é o seu objetivo), imposto. Com o que a pretensão da sua aplicação ao passado viola também, necessariamente, a proibição constitucio- nal de retroatividade em matéria de imposto. H) De outro modo, o aplicador da Constituição estará a escancarar a janela àquilo (proibição de retroatividade em matéria de imposto) a que a Constituição fechou a porta. I) Mas mais ainda. Em matéria fiscal quis o legislador uma proteção reforçada: só há impostos autorizados pelo Parlamento, e o próprio Parlamento está proibido de autorizar impostos para o passado . J) Como derivação desta proteção reforçada do cidadão ou empresa, em que o Parlamento está impedido de interferir com o passado em matéria de impostos, temos que para o passado só devem contar as normas então existentes e o sentido que lhes for fixado pelos tribunais, com independência (livres de interferência) dos outros poderes soberanos, maxime o parlamentar. K) Dito de outro modo, em matéria como esta do imposto o Parlamento legisla com eficácia de ora em diante, e se quiser altera de ora em diante o que vinha de trás, podendo evidentemente opinar, mais ou menos per- suasivamente, que em seu entender o conteúdo dessa alteração já se retirava da lei antiga. L) Mas não mais do que isso, uma vez que em matéria protegida pela proibição constitucional de retroatividade da lei, tem de ficar, por definição, reservada em exclusivo ao órgão de soberania independente que são os tribunais, a fixação do alcance da lei. Dito de outro modo, nestas matérias que beneficiam da proteção cons- titucional reforçada contra o poder legislativo que é a proibição de retroatividade das leis, é conatural àquela proteção que o princípio da separação do poder legislativo face ao poder judicial tem de ser levado ao extremo de se impedir que o primeiro diga ao segundo como há de interpretar a lei. M) Separação reforçada esta entre poder legislativo e judicial que não é alcançada se se permitir que o Parlamento, através de nova lei, fixe aos tribunais o que devem entender com respeito à lei fiscal do passado. N) É de recordar aqui o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/00. Em suma, como se expressou este acórdão do Tribunal Constitucional, o reforço constitucional da proteção contra o poder legislativo que se contém na proibição de retroatividade das suas leis, é um reforço da segurança jurídica e da proteção da tutela da confiança que se não compagina com interferências no processo de aplicação da lei pelos órgãos nela investidos, o que afasta a admissibilidade de leis interpretativas nas matérias sob aquela proteção constitucio- nal. Sejam as leis interpretativas autênticas, ou não, o que quer que se entenda por autênticas, questão em si mesma com respeito à qual dificilmente se eliminará a imprecisão e a discussão.

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