TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

518 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de que as normas interpretativas têm natureza retroativa; ora, se a interpretação legislativa de leis ambíguas e controvertidas – ou seja, de leis que admitem mais do que uma interpretação – é retroati- va, parece ter de se concluir que também o são as decisões judiciais que se baseiam na interpretação e aplicação dessas leis, porque implicam igualmente a adoção, no momento presente, de um dos senti- dos possíveis da lei. IV – Porém, sem prejuízo da identidade de conteúdo, é necessário distinguir a interpretação legislativa da interpretação judicial, quer quanto ao seu fundamento, quer quanto ao seu processo; quando um tribunal interpreta uma lei, nomeadamente uma lei ambígua, num certo sentido, o fundamento da decisão é a correção jurídica desse juízo, atuando o tribunal, por necessidade funcional, no exercício de um poder estritamente jurisdicional – o de decidir qual o direito consagrado na lei; já o legislador, não tendo qualquer competência jurisdicional, atua sempre com base na sua autoridade política, os critérios da sua decisão são, por necessidade funcional, de natureza política e não jurídica; esta diver- gência de fundamento entre interpretação legislativa e judicial traduz-se nos diversos processos através das quais uma e a outra são geradas, sendo o processo judicial e o legislativo estruturados em função da natureza do poder que através deles se exerce. V – Por força do próprio postulado da distinção e separação entre autoridade legislativa e jurisdicional, traduzida na alteridade estrutural entre o processo legislativo e o judicial, as interpretações do legisla- dor são por natureza constitutivas, porque o juízo que lhes subjaz é de ordem essencialmente política, ao passo que as interpretações dos tribunais são por natureza declarativas, porque se baseiam exclu- sivamente na sua competência jurídica; daí segue-se que, por definição, as leis interpretativas, mas já não as interpretações judiciais, são retroativas. VI – Embora seja discutível se a proibição constitucional da retroatividade fiscal consubstancia uma regra, tendencialmente absoluta, ou um princípio, aplicável sob reserva de ponderação com valores ou inte- resses constitucionais de sentido contrário, já não é de duvidar que a proibição da retroatividade fiscal tem como fundamento a tutela da confiança dos contribuintes, daí resultando que as normas fiscais retroativas violam a proibição constitucional da retroatividade apenas nos casos em que frustrem as expectativas legítimas dos contribuintes, razão pela qual o artigo 103.º, n.º 3, não se aplica, por exem- plo, às alterações da legislação fiscal que têm um impacto tributário positivo ou neutro. VII – As interpretações legislativas têm a natureza própria do poder de que emanam: não se destinam a dizer ou descobrir o direito vertido na lei interpretada, atividade que pressupõe uma competência jurisdi- cional, mas a privilegiar o sentido que o legislador entende politicamente mais vantajoso; os desti- natários das leis têm a expectativa legítima de que estas sejam objeto de uma interpretação jurídica, porque é nesses exatos termos – enquanto sujeitos de direito – que aquelas se lhes dirigem, pelo que ao consagrarem um sentido por razões de ordem política – constitutivas e não declarativas de direito –, as leis interpretativas frustram essa expectativa legítima dos cidadãos na juridicidade, adversariabilidade e justiciabilidade da sua relação com a lei. VIII– Em termos gerais, as leis interpretativas devem ter-se por abrangidas pela proibição constitucional da retroatividade em matéria fiscal, só não sendo assim naqueles casos em que, tendo os tribunais sido chamados a pronunciarem-se sobre a interpretação a dar a leis ambíguas e controvertidas, se tenha a propósito delas estabelecido uma controvérsia jurisprudencial, pois se os tribunais refletem e alimen- tam a controvérsia propiciada pela ambiguidade da lei, é inevitável concluir que a questão jurídica é,

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