TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
515 acórdão n.º 385/17 de consenso na jurisprudência quanto ao enunciado no acórdão uniformador: uns restringem a sua aplicação aos casos em que o juiz invoca expressamente a alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA; outros não a apli- cam às decisões dos tribunais de primeira instância. Se é certo que não há acordo sobre o âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 27.º, também é incontestável que não há como prever as consequências do seu incumpri- mento. Em situação similar à agora analisada, o Tribunal já considerou que a «expressão constitucional de um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus imprevisível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso», justificando-se nes- sas circunstâncias que a garantia do processo equitativo se entrecruze com outros parâmetros constitucionais como os que emanam do artigo 2.º da Constituição (Acórdão n.º 620/13). A inobservância do ónus de reclamação para a conferência tem consequências excessivamente gravo- sas perante uma omissão objetivamente desculpável. Não é por razões de eficácia e celeridade que o ónus se justifica, pois a imposição em primeira instância dificilmente evitará o recurso jurisdicional. De facto, num processo com garantias de um duplo grau de jurisdição, a reclamação para a conferência é uma via de natureza intermediária que não obsta a que o tribunal de recurso se pronuncie sobre mérito da sentença, pois, ainda que a reclamação tenha provimento, a parte contrária, que não reclamou, pode sempre interpor recurso direto da decisão da conferência. Por outro lado, uma decisão que não apresenta qualquer funda- mentação para se configurar como decisão singular, nem demonstra o preenchimento dos pressupostos que a legitimam, torna o erro do recorrente objetivamente desculpável. Como se refere no Acórdão n.º 124/15, «um regime legal ou a interpretação que os tribunais fazem desse regime não pode dificultar de modo exces- sivamente oneroso a atividade das partes, nem implicar consequências processuais que sejam desproporcio- nadas à gravidade e relevância da falta ou deficiência que lhes seja imputada». A existência dessa dificuldade torna impossível estabelecer uma relação de equilíbrio ou de proporção entre a justificação da exigência da reclamação para a conferência e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento de tal exigência. Todas estas considerações, designadamente, a dúvida pertinente quanto à interpretação dos textos legais, a ausência de suficiente explicitação quanto ao uso de competência decisória como juiz relator, a imprevi- sibilidade do ónus processual imposto à parte face à prática jurisprudencial inicialmente adotada, o caráter excessivamente gravoso da consequência cominatória resultante da inobservância do ónus, e a desculpabili- dade da conduta processual da parte, apontam para considerar que a interpretação normativa adotada pela decisão recorrida viola o princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. E note-se que não são meros dados do caso concreto que devam ser tidas como extravasando o conteúdo normativo que constitui objeto do recurso de constitucionalidade. São antes fatores de incerteza intrapro- cessual que são potenciados pelas normas do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, do CPTA, tal como se elas encontram previstas e poderão ser genericamente aplicáveis a outros casos concretos. Por todo o exposto, é possível concluir pela inconstitucionalidade das normas do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na interpretação segundo a qual «uma decisão proferida por um tribunal administrativo e fiscal, em juiz singular, com base na mera invocação dos poderes conferidos por aquela disposição legal, não é suscetível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência», por violação dos princípios do processo equitativo, da segurança jurídica e da proteção da confiança. – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro. Anotação: 1 – Os Acórdãos n. os 846/13 , 124/15 e 577/15 estão publicados em Acórdãos, 88.º, 92.º e 94.º Vols., respetivamente. 2 – Ver, neste Volume , o Acórdã o n.º 260/17.
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