TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
514 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no Diário da República . Mas, como vimos, a aplicação desse critério era controversa na data da interposição do recurso jurisdicional – cerca de dois meses após a publicação – porque a norma que o acórdão pretendeu estabilizar era ambígua quanto às decisões sumárias passíveis de reclamação para a conferência. A expressão «proferida sob invocação dos poderes conferidos no artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA», colocada entre vírgulas, parecia excluir da obrigatoriedade da reclamação para a conferência as decisões proferidas sem invo- cação expressa daquele preceito. A indeterminação desse enunciado foi expressamente reconhecida pelo STA no acórdão n.º 01604/13, de 25 de junho de 2013, ao considerar que o acórdão uniformizador parece assentar em dois pressupostos: «1 – que o juiz da 1.ª instância ao proferir a decisão tinha invocado expressamente os poderes conferidos pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA; 2 – «que tinha sido reclamada em tempo a nulidade processual da pro- lação da sentença por juiz singular quando deveria tê-lo sido pela formação do coletivo». Ou seja, admitiu-se um recurso de revista por se entender que a reclamação para a conferência parece não ter lugar quando a sentença não invoca o artigo 27.º do CPTA nem é suscitada em primeira instância a eventual violação da formação coletiva imposta pelo artigo 40.º, n.º 3, do ETAF. Foi na sequência desse recurso que o STA, por acórdão da secção e sem unanimidade, decidiu que cabe reclamação para a conferência, quer tenha sido ou não expressamente invocado o disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , do CPTA (proc. n.º 01064/13, de 10 de outubro, e proc. n.º 01360/13, de 5 de dezembro de 2013). Com se vê, há discordância relativamente à interpretação fixada em acórdão uniformador, ainda não existindo sequer um acórdão de uniformização a explicar a significado daquela expressão. A plurivocidade da expressão coloca os recorrentes numa situação onde não se mostram claramente pré-determinadas as normas relativas aos meios impugnatórios, e, portanto, fora do espaço de previsibilidade. Assim aconteceu no caso vertente, em que o juiz que proferiu a sentença de primeira instância não chegou a invocar expressamente o artigo 27.º, o que excluía a reclamação para a conferência numa das possíveis significações da interpretação da norma fixada no acórdão uniformizador. A interpretação normativa impugnada impõe a obrigatoriedade da prévia reclamação para a conferência, mesmo que a sentença não contenha a fundamentação da opção de se julgar em juiz singular, e mesmo que os respetivos pressupostos não se encontrem verificados. A imposição de se mobilizar a reclamação para a conferência, cuja não utilização preclude o recurso aos demais meios de reação, depende apenas da invocação expressa ou implícita do poder conferido pela alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA. É esse o sentido da dimensão normativa impugnada quando refere «com base na mera invocação dos poderes conferidos por aquela disposição legal». Assim, a reclamação é obrigatória mesmo que não se demonstre que estão preenchi- dos os pressupostos que, no caso em concreto, permitam tomar a decisão final através de juiz singular (“sim- plicidade” e “manifestamente infundada”), e ainda que não haja qualquer correspondência entre a invocação desses pressupostos e o conteúdo da decisão proferida. Ora, uma das componentes do processo equitativo é a fundamentação das decisões dos tribunais (artigo 205.º, n.º 1, da CRP), o que se torna particularmente relevante quando essa exigência é necessária para per- mitir às partes discernir os ónus processuais de reação que lhe são impostos e as consequências da sua inob- servância. Neste caso, o dever de fundamentação justifica-se pela necessidade de avaliação da opção tomada, incluindo a sua controlabilidade, previsibilidade e confiabilidade, quanto ao julgamento da causa em juiz singular. Como acima se referiu, a ausência dessa fundamentação sobrecarrega as partes com o ónus de perce- ber se a causa é complexa ou simples, se a invocação nominal do artigo 27.º está ou não em correspondência com o conteúdo da decisão, solução que, além de iníqua, é geradora de insegurança jurídica quando ao meio de reação processualmente adequado. Perante a prática reiterada e bastante enraizada de interposição do recurso jurisdicional das decisões proferidas em primeira instância em juiz singular, a reclamação para a conferência surgiu como um “ónus imprevisível” que, em vez de reforçar a garantia dos meios impugnatórios, representa um obstáculo proces- sual que apenas adia a subida do processo ao tribunal superior. Porém, a imprevisibilidade do ónus processual não resulta apenas da modificação inesperada da orientação então dominante, mas sobretudo da inexistência
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=